• Otimismo ou realismo

    Otimismo ou realismo

    Entre o ideal e o factual a distância geralmente é grande. Aquilo que consideramos ótimo para nós é muitas vezes uma forma de idealismo, uma meta quase inalcançável, uma utopia. O factual é a verdade crua e nua que se relaciona com os factos da vida, aqueles que permanecem inalteráveis mesmo perante um idealismo de grande potencial.

    Estas duas posições, chamemos-lhes assim, vêm de duas atitudes diferentes. A primeira é o positivismo, que descamba no otimismo. A segunda é o objetivismo, força que nos coloca da apreciação real das coisas, tal e qual elas são, sem desculpas ou negacionismos. Ser positivo é interessante, porém é falacioso, pois na sua génese reside a omissão daquilo que é negativo.

    Tal omissão degenera num conhecimento parcial das coisas, que é aquele que prefere e elege as ditas coisas positivas, agradáveis, convenientes até. Esta parcialidade cognitiva é a causa de muitos prolemas da vida, aqueles derivados da falta de coragem de lidar com aquilo que é considerado negativo e que precisa de ser visto como tal, para que se possa melhorar e crescer. Ser realista, por outro lado, permite a obtenção de um conhecimento mais integral, pois aqui há ausência de um negacionismo covarde, e dá-se então, desejavelmente, claro, a contemplação e a confrontação daquilo que consideramos ser negativo, para que se possa melhorar e crescer.

    Dito isto, cabe a cada um escolher ou descobrir para onde tende, se para o otimismo ou para o realismo. Se o propósito é crescer e é para isso que cá estamos, não somente como estudantes de Vedānta mas também como humanos, então, certamente o realismo bate em muitos pontos o realismo na corrida de ajuda ao crescimento. E ainda, ser maduro deverá incluir a capacidade de análise daquilo que realmente consideramos negativo nas nossas vidas, para que a mudança para melhor efetivamente aconteça. Aponte para o céu, mas esteja pronto para acertar na terra.

  • Vedanta Paulo Abreu Vieira

    Vedānta não é erudição académica

    A exposição continuada ao ensinamento de Vedānta, que consiste em assistir às aulas de forma regular e comprometida põe o aluno em contacto com a imensa vastidão e a profundidade da literatura de Vedānta existente, que dá suporte e ajuda aos professores, e que coadjuva e complementa o ensinamento das Upaniṣads, que por vezes é encriptado e precisa de mais explicações.


    Perante tal visão da imensamente vasta e profunda literatura de Vedānta e perante a visão da incapacidade humana de estudar tudo numa só vida, a tentativa de alguns é a de cobrir o máximo de literatura, num esforço mais académico e de erudição do que o de ganhar a verdadeira compreensão e visão da não dualidade, que afinal de contas é o grande objetivo do estudo. O objetivo do estudo de Vedānta não é a erudição académica, mas sim, o ganho da visão de que o Eu é Absoluto e Ilimitado.


    Esquecendo este propósito, ou, talvez, estando presos aos padrões consumistas antigos e muito enraizados da mente ignorante, inconscientemente redirecionam a mente consumista e samsārika para a “aquisição” de mais “um texto de Vedānta”. O objetivo passa a ser a aquisição de textos estudados para fins académicos e de massagem ao ego, e não para o ganho da visão da não dualidade.


    Estas palavras não são uma crítica, apesar de poderem ser interpretadas erradamente como tal. São sim, e esse é que é o propósito, uma chamada de atenção para o objetivo do estudo, que é, e repito, o ganho da visão do Eu Ilimitado e não o academismo intelectual.


    Também poderá ser comum em alguns alunos mais antigos e em alguns professores, desenvolverem para si mesmos e por si mesmos uma “pseudo-hierarquia” do género: “como já estudei mais textos, sou mais avançado, sou hierarquicamente superior”, ou “como residi mais anos na Índia, sei mais de Vedānta”, etc. Estas hierarquias são fantasiadas por egos inseguros que ainda precisam de aprovação e revelam que algures o caminho desviou-se. Como dizia o Swami Chinmayananda: “Não interessa em quantas Upaniṣads tocaste, interessa sim quantas te tocaram”.
    Relembre que o propósito do estudo são dois tipos de maturidade: 1 – emocional; 2 – espiritual. Boa sorte para os seus estudos!

    Paulo Abreu Vieira

    Professor de Vedanta e Fundador do Centro Arshavidya 

  • O mundo é a nossa casa. Artigo por Paulo Abreu Vieira

    O Mundo é a nossa Casa

    As identificações do ego são muitas e o ego precisa delas, até certo ponto, pelo menos. Uma delas, e muito bem enraizada, é a identificação com o nosso lugar – “é aqui que eu pertenço”, “esta é a minha casa”, “esta é a minha rua”, “esta é a minha cidade”, “este é o meu país”.


    Repare: não existe “meu” nem “minha”, se conseguir ver que a posse é transitória, temporal…de facto bem breve dada a idade do Universo.
    Esta identificação com o lugar é instintiva e social. Instintiva porque somos animais e estamos instintivamente programados para defendermos aquilo que nos pertence, como a nossa propriedade. Social porque somos condicionados e programados para pensarmos que pertencemos a um dado lugar, como uma cidade ou país.


    Fruto desta identificação surgem conflitos desnecessários com os outros que não pertencem ao mesmo lugar que nós e, nesse sentido, parecemos não diferentes dos animais irracionais, que disputam até à morte o território.


    Então, há que pensar com uma certa profundidade para conseguir transcender as barreiras da mente instintiva e da programação social que nos encerram, por vezes mortalmente, dentro de um modelo fragmentador e separatista. A verdade é que somos todos pessoas a viver num planeta mágico – um pequeno berlinde azul, se visto de muito longe – inserido num todo harmonioso chamado Universo.


    Se existe um lugar ao qual todos pertencemos, sem exceção alguma, esse lugar é este mundo, este cosmos, livre de fronteiras e espaçoso o suficiente para todos podermos viver em harmonia.
    Liberte-se da territorialidade, liberte-se dos “patriotismos”. Somos todos Um Universo em movimento expressando algo fundamentalmente transcendente e eterno, o Ser.

    Paulo Abreu Vieira

  • Vedanta e os relacionamentos amorosos

    Como o Vedānta pode ajudar nos relacionamentos amorosos

    Um dos maiores desafios para os seres humanos são os relacionamentos amorosos, porque é neles que os grandes desafios emocionais inevitavelmente aparecem.

    Dentro da tradição de Vedānta um relacionamento íntimo a longo prazo, como o casamento ou a união de facto, é Yoga. Significa isto que deverá servir para o crescimento emocional de ambos. De facto, qualquer relacionamento com o mundo deverá ser visto como Yoga.


    Um grande objetivo do Yoga é diminuir as tendências impulsivas da mente que tantas vezes são contrárias ao dharma – à ética e à moral – e que afastam a pessoa da paz, da tranquilidade e da felicidade que ela tanto procura e deseja para si. Paralelamente, o objetivo do Yoga é também o de conseguir fazer aquilo que realmente deve ser feito a cada momento e que está de acordo com os vários papéis da vida, como o de mãe, pai, irmão, companheiro, filho, profissional, etc. Portanto, Yoga é decidir e agir de forma informada seguindo a ética e os valores para que as tendências instintivas e impulsivas da mente percam progressivamente o seu poder potencialmente e geralmente nefasto. Falar é fácil, o Yoga é difícil.


    É muito comum no relacionamento surgir insegurança, ciúme, medo da perda, ansiedade, raiva, necessidade de controlar e desentendimentos sobre as tarefas da casa. Tudo isto tem que ser endereçado e trabalhado para que sirvam para crescer e não para detonar o relacionamento e transformá-lo num suplício.


    O Vedānta ajuda a identificar e a superar as emoções desagradáveis que podem prejudicar as relações e mostra que cada ser humano naturalmente as tem, o que possibilita o desenvolvimento de empatia. Para além disso, como confere a realização interior e a verdadeira felicidade, a pessoa deixa de as procurar no outro, evitando assim a dependência emocional. E como incentiva a prática da compaixão, da gratidão e da humildade, que ajudam a fortalecer e a enriquecer o relacionamento. Para além disso, no Vedānta há o grande benefício que advém da convivência com os restantes alunos que são um suporte de crescimento e de ajuda. Finalmente, a presença do professor nos momentos de maior dificuldade ajuda a dar uma orientação.

    Paulo Abreu Vieira

  • Poema Paulo Abreu Vieira

    Milagre mais evidente do que este

    Beija-me a brisa ao de leve a pele num gesto terno de pura calma,
    da janela mergulho na magia das cores que entram na alma…
    são colorido fogo criativo, são a divina dança de Śiva,
    cuja fragrância do milagre da vida faz a minha mente cativa.

    O gesto esvoaçado de um pardal pintado de liberdade,
    os risos gritados, bonitos e puros da inocência da mocidade
    a dança das folhas e flores embaladas por melodiosa brisa,
    tudo isso é a Verdade, é expiração poética que a alma improvisa.

    E esse mesmo é o fio que tece os pensamentos,
    E que une as memórias dos amores, dores e fantasias,
    e que alimenta a imaginação e a esperança de melhores dias.

    Uma só força, imaterial, atemporal, imaculada e imutável impera e
    permeia todo e qualquer ser deste quadro vivo de êxtase e felicidade.
    Preso na contemplação da verdade, aprecia-te, és pura liberdade.

    São urdidos os seres por poder maior que os ultrapassa,
    vivificados pela eterna presença que sempre os abraça.
    São expressão finita da infinitude, limitações do ilimitado,
    são o amor feito vida por tantos poetas cantado.

    São um rio de força que desce e sobe ao mesmo tempo,
    E tudo isso contido num só eterno momento,
    O Agora, este mesmo, cuja origem é lugar nenhum,
    a que os visionários unanimemente chamam de Um.

    Paulo Abreu Vieira

  • Análise gramatical da Bhagavadgita Paulo Abreu Vieira

    भगवद्गितायाः व्याकरणम् – Análise gramatical da Bhagavadgītā (continuação)

    Símbolos usados na análise gramatical:
    √ – raíz verbal; ⊘ – indeclinável; m – género masculino; f – género feminino; n – género neutro; I/1 – primeira pessoa singular; II/1 – segunda pessoa singular (a numeração romana indica a pessoa, a numeração indo-arábica indica o número, que pode ser singular, dual ou plural; 1/1 – 1º caso singular; 1/2 – 1º caso dual; 1/3 – 1º caso plural; 2/1 – 2º caso singular (existem oito casos, vibhaktis, no total; 7/1 – sétimo caso singular; P – parasmaipadī; Ā – ātmanepadī; U – ubhayapadī; VA – voz ativa (kartari prayoga); VP – voz passiva.

    अर्जुन उवाच ।
    दृष्ट्वेमं स्वजनं कृष्ण युयुत्सुं समुपस्थितम् ॥ १.२८ ॥
    सीदन्ति मम गात्राणि मुखं च परिशुष्यति ।
    वेपथुश्च शरीरे मे रोमहर्षश्च जायते ॥ १.२९ ॥

    पदच्छेदो (सन्धिच्छेदः) विभक्तिपरिच्छेदः पदार्थो व्युत्पत्तिश्च
    अर्जुनः 1/1m – Arjuna; उवाच III/1, 2P√वच् (वच, परिभाषणे), लिट् लकारः, VA (कर्तरि प्रयोगः) – ele disse:
    दृष्ट्वा Ø 1P√दृश् + क्त्वा – tendo visto, vendo; इमं 2/1m सर्वनाम, इदम् शब्दः – este; स्वजनं 2/1m – minha gente (स्वस्य जनः स्वजनः, तम्); कृष्ण 8/1m – ó Kṛṣṇa; युयुत्सुं 2/1m – desejoso de lutar (योद्धुम् इच्छुः) युयुस्तुः, तम्); समुपस्थितम् 2/1m, सम्-उप-1P√स्था + kta – presente, reunidos, estacionados; सीदन्ति III/3 1P√सद् – fraquejam; मम 6/1 सर्वनाम, अस्मद् शब्दः – meus; गत्राणि 1/3n – membros; मुखं 1/1n – boca; च Ø – e; परिशुष्यति III/1, परि-4P√शुश् – seca, está seca; वेपथुः 1/1m – tremor; च Ø – e; शरीरे 7/1n – no corpo; मे – meu; रोमहर्षः 1/1m – eriçar dos pelos; च Ø – e; जायते III/1, 4A√जन् – nasce, surge.

    अन्वयः
    अर्जुनः उवाच ।
    इमं युयुत्सुं समुपस्थितम् स्वजनं हे दृष्ट्वा कृष्ण मम गात्राणि सीदन्ति मुखं च परिशुष्यति मे शरीरे वेपथुश्च रोमहर्षश्च जायते ॥
    V.1.28 e 1.29 – Arjuna disse: Ó Kṛṣṇa, tendo visto esta minha gente aqui presente (e) desejosa por combater, os meus membros fraquejam, a minha boca seca, surge (um) tremor no meu corpo e os (meus) pelos ficam eriçados.

    Paulo Abreu Vieira

  • A Necessidade de Uma Mente Madura para a Libertação

    Vedānta é um caminho só de ida no qual é inevitavelmente necessário deixar para trás a tralha que só atrapalha a viagem. Isso passa obrigatoriamente por crescer emocionalmente, e quem não quiser crescer ou achar que não precisa de crescer, não conseguirá fazer a viagem e estará a enganar-se a si mesmo, lamentavelmente.
    Para a pessoa com inteligência média assistir às aulas de Vedānta e ganhar o vislumbre do ensinamento não é assim tão difícil, especialmente se o professor for um comunicador hábil que transmita o conhecimento de forma simples e clara. De facto, é inevitável que esse vislumbre aconteça; irá certamente acontecer. Se a pessoa tiver foco mental e a fase da vida em que a pessoa assiste mais entusiasticamente às aulas for boa, é de esperar que a pessoa ganhe um entendimento superficial da natureza da realidade. Digo isto porque o Vedānta, sendo um pramāṇa, meio de conhecimento, funciona, é eficaz.
    O entendimento não é tudo no Vedānta, é uma parte de um todo que precisa de ser completo para que o fruto do conhecimento se manifeste. O estilo de vida chamado de Yoga é uma parte importante e fundamental, sem a qual, Vedānta está destinado a fracassar. O Yoga deverá preceder o Vedānta – esta é a condição intransponível. Se deseja ganhar o conhecimento inabalável do Eu maior, da realidade, então, nesse caso, viva uma vida de Yoga.
    Yoga é o processo de vida através do qual certas qualidades e virtudes são ganhas e a que chamamos de maturidade emocional e espiritual. A Bhagavadgītā, o maior tratado de Autoconhecimento e Yoga, menciona algumas – amānitvam, ausência da exigência de respeito, adambhitva, ausência de exibicionismo ou pretensão, ahimsā, não-violência, kṣānti, aceitação objetiva, arjavam, integridade ou alinhamento entre pensamento palavra e ação, etc. Noutras obras, outros mestres mencionam as virtudes que constituem em si a elegibilidade para o entendimento, chamadas de sādhana-catuṣtaya, o conjunto dos quatro meios (indiretos) para o conhecimento: viveka, discriminação e discernimento, vairāgya, desapego ou desprendimento, śamādi, calma e tranquilidade, etc. A lista das qualidades e virtudes a serem ganhas é grande e importante. Todos os mestres as realçam e não se cansam de lhes atribuir valor.
    Sem o ganho destas virtudes a mente será instável, conflituosa, irrequieta e tremendamente problemática, causando muita aflição. As virtudes ou os valores incidem na mente, pois é na mente que grande parte do trabalho tem que ser feito, tanto a nível emocional como focal.
    Sem emoções relativamente apaziguadas e sem capacidade de gestão emocional não há conhecimento que aguente e o vislumbre ganho na aula não impacta. Sem capacidade de foco continuado não há a possibilidade de contemplação séria e sem contemplação não há assimilação do conhecimento. As qualidades e valores a serem buscados pelo aluno de Vedānta tornam a mente um recipiente saudável onde o conhecimento permanece para ser apreciado. Caso contrário, a mente é como um recipiente rachado e disfuncional. O conhecimento esvair-se-á pelas rachadelas da sua mente e por mais que se queira retê-lo, a impossibilidade da retenção impõe-se tiranicamente.
    Se a mente é o recipiente onde o conhecimento é recebido e retido, nutra-a. Diligentemente aprenda a melhorar a condição da sua mente. Impregne-a de compaixão, de compreensão, de calma, de discernimento, de foco, de paciência e de todos os valores que o Vedānta menciona.
    Não tente contornar a tradição de ensino, pensando que é mais esperto ou sábio do que ela. Receba de coração aberto os ensinamentos, sejam sobre Yoga ou Vedānta, e entenda que sem maturidade a libertação é um castelo nas nuvens.
    Maia, Março de 2023
    Paulo Abreu Vieira

  • A Coragem de Olhar para Dentro

    Geralmente quando se pensa em coragem associamo-la aos atletas de desportos de combate, de desportos radicais, ou a profissões de risco nas quais é grande e constante a convivência com a iminência da morte. Penso que tal associação está correta e é muito válida, porque, de facto, esses atletas e profissionais acima referidos têm muita coragem. Afinal de contas, enfrentar a própria morte ou a possibilidade elevada de uma lesão física que poderá limitar para sempre a vida é um sinal de grande coragem e é, definitivamente, louvável e memorável.

    Contudo, agora gostaria de trazer a atenção do leitor para outro tipo de direcionamento dessa força interna chamada coragem. Falo-lhe da coragem para olhar para dentro e ver, muito honestamente, o que precisa de ser visto, sem rodeios, sem desculpas e sem negações.

    Somos feitos de bom e de mau. Em cada um há um tanto de coisas boas a que poderemos chamar de virtudes e valores e há, também, inevitavelmente, outro tanto de coisas más – ou que conotamos como más – a que podemos chamar de defeitos ou desvirtudes. Nem tudo são rosas nos seres humanos.

    Acontece que somos ou estamos treinados para mostrar o nosso bom e esconder o nosso mau, até porque essa é uma forma segura de sermos aceites e amados pelos outros, como é óbvio, facilmente entendível, necessário e muito desejável numa sociedade, pois, para que uma sociedade funcione bem, é necessário que todos nos possamos entender e respeitar, no mínimo, e, utopicamente, que nos possamos amar e acolher, mesmo perante as enormes divergências mútuas.

    Será que o bom que mostramos é realmente o nosso genuíno bom? Ou será o bom que os outros querem ver e que é necessário mostrarmos para sermos aceites e amados? Ou seja, será que estamos a fazer de conta que somos bons, ou estamos mesmo a mostrar bondade genuína? A resposta a estas questões é difícil e cada um tem que olhar para dentro e descobrir. Para olhar para dentro é necessário muita coragem pois corremos o risco de ver coisas das quais não gostamos. Este é o risco de descobrir a verdade – pode ser dura de aguentar.

    Falo-lhe do lado sombra que tende a ficar na penumbra, em silêncio, esquecido, adorando passar despercebido como se não existisse. E uma parte de nós sabe que ele existe, mas é conivente e negligente, ou mesmo covarde – é preferível não olhar para o que é feio, pois assim não se sente a dor da feiura. E todos temos muita feiura escondida para a qual nos recusamos a olhar.

    O guerreiro interno recusa-se à covardia pois sabe muito bem que dela advém a estagnação ou a regressão do processo de maturidade e isso é insuportável para ele, que já descobriu a glória que lhe é destinada por direito. Por isso cavalga para essa glória, deseja esse triunfo sobre a sombra, sobre o seu lado de feiura.

    Amor que é amor, ama o feio e o bonito, simplesmente por que ama, e quando esse amor ama, vê o feio como bonito. Tal é o poder do amor e a sua intrínseca incondicionalidade. Seguindo o mesmo trajeto de pensamento, o amor próprio é aquele que acolhe todas as dimensões psicológicas que coabitam internamente, sejam elas de carácter esteticamente belo ou não. Então, olhar para o lado sombrio da psique é amor próprio e é coragem também, pois é a certeza do encontro da feiura que jaze em cada um e do sentir das dores subsequentes desse triste mas glorioso encontro.

    Não é fácil admitir a mentira entranhada na forma de ser e esculpida anos a fio pelo cinzel da ignorância e da vergonha. Não é fácil admitir a inveja do sucesso dos nossos irmãos e amigos, que desejam intimamente a mesma felicidade e realização que todos os outros.  Não é fácil admitir as raivas suprimidas por desejos de agradar e de aceitação, que tantas vezes nos separam daquilo que deveríamos ter sido. Não é fácil brilhar na presença daqueles que ainda não têm luz pois a antecipação da pena crucifica essa nossa luz. Não é fácil chorar as nossas fraquezas quando todos esperam a nossa força, porque eles mesmos são fracos. Não é fácil olhar para dentro, pois se o fizermos de forma honesta e corajosa iremos descobrir o quanto falta crescer.

    Olhar para dentro é amor próprio e amar nunca foi fácil. Todavia, se amar é incondicional e acolher, então amor próprio é o acolhimento incondicional de tudo aquilo que somos, tanto de mau, quanto de bom.

    Fevereiro 2023

    Paulo Abreu Vieira

  • A Importância do Yoga em Vedānta

    Grandes objetivos geralmente exigem grandes esforços. Grandes conquistas exigem grandes compromissos. Grandes viagens exigem grandes preparações. Quanto maior for a dimensão daquilo que deseja, em princípio maior será o investimento necessário.

    Dito isto, mokṣa, a libertação do sofrimento, é o derradeiro objetivo do Vedānta, que definitivamente não é ganho com uma atitude casual perante a vida. Para que a libertação seja ganha é necessário um compromisso constante acompanhado de muita resiliência.

    Yoga é o meio para ganhar o necessário e essencial para a frutificação do Vedānta, e isso abrange ganhar uma mente afiada e um coração relativamente pacificado e bondoso. Para que estes, mente afiada e coração bondoso, sejam ganhos, a pessoa tem que levar uma vida de valores éticos e morais. Quanto a isto não há dúvida alguma.

    Para além disso, uma vida de valores éticos e morais é chamada uma vida de dharma e certamente vai atrair circunstâncias de vida conducentes e imensamente favoráveis para o processo de estudo de Vedānta.

    O processo de estudo requer uma certa introspeção saudável. Esta só é possível se existir uma certa preparação emocional. Se não for assim o aluno não consegue estar consigo mesmo em paz e irá procurar distrações e o Yoga torna a pessoa capaz e elegível para a introspeção sem causar escapismo.

    Somente o aluno que tenha ganho o valor pela solitude, pela meditação e pelos valores éticos e morais é que terá a disposição interna de mergulhar no ensinamento de Vedānta e torná-lo parte de si. Sem a disposição interna gerada por uma vida de Yoga, o Vedānta é incapaz de germinar a semente do conhecimento, assim como uma semente é incapaz de germinar em cimento.

    Não há Vedānta sem Yoga e Yoga sem Vedānta fica incompleto. O Yoga completa-se com Vedānta e tudo o que ajudar a pessoa a ganhar maturidade, foco mental, capacidade meditativa e a seguir o dharma pode ser chamado de Yoga, seja ele vindo da Índia ou de outro lugar.

    Então, lembre-se de que o processo de crescimento está nas suas mãos, pois mais ninguém poderá crescer por si. Crescer é algo que terá que fazer sozinho. E lembre-se também que o Vedānta está nas mãos do professor. Chegue às aulas de Vedānta munido de Yoga, deixe que o ensinamento e o professor façam a sua função e verá em primeira mão como é bom resultado das aulas.

    Paulo Abreu Vieira

  • 10 Dicas Importantes Para o Bem-Estar Psicológico

    O percurso de qualquer pessoa é muitas vezes assolado pelas tempestades karmicas que trazem inesperadamente eventos e situações de vida catastroficamente avassaladores. Há períodos onde essas intempéries são mais frequentes e intensas e há períodos onde a bonança predomina e a vida é um alternar entre estes dois.

    Ser objetivo e maduro implica viver com o entendimento claro de que a dualidade experiencial é um facto acerca das nossas vidas do qual ninguém escapará. Esta objetividade madura é assente na compreensão de que o escapismo não é, nunca foi, nem nunca será uma solução; no máximo, se é que pode ser usado – e raras vezes – é um adiamento do inevitável, talvez necessário para se poder obter algum tempo de resposta a uma situação que ainda não a tem, para depois, ser seguido da apropriada resolução.

    Tenho visto intimamente no acompanhamento de muitos alunos que um dos desafios maiores, para talvez 80% deles, é o bem-estar psicológico. Assim sendo, pensei em deixar aqui 10 dicas simples e importantes para que cada um possa trabalhar conscientemente para o seu bem-estar psicológico e se torne o principal protagonista desse seu dever individual, sobre o qual, ninguém – mesmo ninguém – tem autoridade ou jurisdição. Por outras palavras, somente o leitor – você – e mais ninguém, pode e deve zelar pela criação do seu bem-estar psicológico e, se não o fizer, não tem direito de culpar ninguém pela sua negligência ou apatia, porque, realmente, ninguém tem culpa daquilo que você não valoriza e aprimora.

    Seguem então 10 dicas para que possa começar a CRIAR o seu Bem-Estar Psicológico:

    1 – Aprenda a dizer Não quando é preciso: quem diz sim a tudo, eventualmente, nega-se a si mesmo. Esta auto-negação resulta em frustração, raiva, depressão, etc.

    2 – Faça OBRIGATORIAMENTE uma atividade física pelo menos 5 dias por semana. Pode ser caminhar, correr, andar de bicicleta, ou outra atividade fitness. Se for em grupo pode ser ainda mais benéfico. A ciência médica aconselha o exercício físico regular e moderado para todos, ajustado, obviamente à idade de cada um.

    3 – Pratique Yoga duas vezes por semana. Pode alternar o Yoga com os dias do exercício físico. O Yoga ajuda-o a conectar-se com a sua intimidade num ambiente equilibrado que é o da sala de aula. Vai aprender muito sobre o seu corpo, a sua respiração, as suas emoções e a sua mente.

    4 – Pratique Meditação TODOS OS DIAS. Comece por cinco minutos diários e depois vá aumentando gradualmente para 10, 20, até chegar aos 45 minutos diários se o seu tempo permitir. A ciência já descobriu que as pessoas que meditam regularmente são mais felizes e têm mais qualidade de vida interior.

    5 – Faça algum tipo de voluntariado ou atividade onde deliberadamente ajuda o próximo sem esperar nada em troca. Descubra a intensa riqueza interna que é ajudar os outros.

    6 – Recorde-se de uma atividade que o fazia feliz em criança ou jovem e recomece a fazê-la. Pode ser cantar, dançar, pintar, tocar um instrumento, jogar futebol, etc. Pelo menos uma vez por semana faça 30 minutos a 1h dessa atividade. Irá com certeza reconectar-se com a força da sua criança interior.

    7 – Estabeleça pequenas metas diárias na expressão da gratidão e do amor. Estabeleça, por exemplo, que vai expressar a sua gratidão e o seu amor duas vezes de manhã e duas vezes de tarde à sua esposa, à sua mãe, aos seus filhos, etc. Sinta-se criança de novo nessa expressão dos sentimentos nobres.

    8 – Alimente-se conscientemente para que possa estabelecer-se no peso adequado à sua altura.

    9 – Em vez de passar tempo nas redes sociais, leia um bom livro, veja um bom filme, dê bons passeios na natureza.

    10 – CHEGA DE DESCULPAS. Se ao ler as 9 dicas anteriores a sua mente colocou objeções e desculpas, então repita para si mesmo: CHEGA DE DESCULPAS e comece a trabalhar para criar o seu bem-estar.

    Para a maior parte das pessoas, quer estudem Vedānta ou não, as dicas aqui apresentadas vão trazer imenso benefício se seguidas diligentemente. Só há uma forma de saberes se resultam ou não – é seguindo-as.

    21, Novembro 2022

    Paulo Abreu Vieira

  • Relações e Ralações

    Todos os seres humanos se casam com a esperança de encontrarem a felicidade, porque essa é a experiência da paixão. A paixão mútua, a paixão correspondida, que que ambos sentem um pelo outro, produz um senso união, de pertença, um senso de união, um senso de que acolhimento, de que se é amado. Este senso é tão, tão grande, que é mais importante que a própria mãe. Por isso somente, a pessoa sai das “saias da mãe” e vai casar, e vai fazer uma vida a dois com outra pessoa, na esperança que vá produzir a felicidade última de todas as coisas, a completude da união apaixonada.

    Porém, acontece que a pessoa começa a relacionar-se intimamente e a relação íntima naturalmente causa uma fricção, causa um atrito natural, como quando duas coisas se encostam e roçam uma a outra. Este atrito vai ser tão maior quanto maiores quanto maiores for as questões emocionais que já vem de trás, quanto mais e mais intensos forem os traumas.

    Contudo, a pessoa parte para um relacionamento amoroso, que pode ser um casamento ou um namoro, totalmente esperançosa de encontrar a felicidade, a eterna paixão, o senso de união, de acolhimento, de pertença e de ser incondicionalmente amada, o que não acontece. No início até acontece, mas depois naturalmente esvai-se. A pessoa espera em vão que a paixão se mantenha inalterada até ao fim da vida, tal e qual como nos filmes de Hollywood e em todos esses contos, porém, não acontece assim, porque uma relação não é um mar de rosas. Uma relação raramente ou nunca acontece vemos nesses filmes e contos. É que nem mesmo os atores de Hollywood que fazem esses papéis conseguem viver o sonho de Hollywood. Eles acabam por se separar, muitas vezes de forma triste e litigiosa.

    A fricção que vem ao de cima durante os relacionamentos por causa dos traumas emocionais já trazem e obviamente por causa das diferenças de personalidade, que têm que se ajustar para o relacionamento funcionar, fluir e ser saudável, é natural, é normal. Não existe relacionar-se sem fricção. O truque é minimizar as fricções pois assim minimizamos as ralações. Não transforme a sua relação numa ralação.

    As pessoas têm que fazer cedências, têm que aprender a fazer cedências de parte a parte, de modo a que os dois sintam que estão a ganhar. A pessoa eventualmente descobrirá que uma das coisas mais importantes da vida é o casamento e que este é um projeto comum a longo prazo, talvez o projeto mais a longo prazo que existe entre dois seres humanos, onde há filhos para educar, de forma a que estes possam dar o seu melhor ao mundo e se tornarem bons seres humanos e contribuírem para um mundo melhor.

    Então, não é só a mensagem genética que é passada geracionalmente, há também uma passagem de valores éticos, morais, culturais e familiares dos pais para os filhos, como é óbvio. Apesar do ideal ser este, ambos descobrem que o projeto casamento, a maior parte das vezes, não tem nada a ver com a união que sentiram durante a fase da paixão. O casamento pode começar por paixão, mas em si nada tem a ver com paixão.

    Apreciamos facilmente que em muitos casos, se não na maior parte deles, a relação a dois traz mais dor do que prazer. Se realmente a pessoa que está num relacionamento quer crescer, haverão inevitavelmente desafios desagradáveis e dolorosos, e não serão poucos. Pensar de outra forma é inocência.

    Apesar das muitas dificuldades inerentes à vida de casado, tem que haver momentos alegres e de prazer, pois senão é praticamente impossível manter a relação. Se o balanço entre os momentos bons e maus for muito negativo, obviamente a relação não tem pernas para andar. Na medida em que ambos, não interessa se são dois homens, ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher, estão dispostos a crescer na relação e a encarar as suas dificuldades emocionais, que vêm de trás, como vimos, com a disposição e a intenção de se tolerarem e de aceitarem as dificuldades de cada um, nessa medida têm algo muito importante, que é um projeto de crescimento emocional comum, que não tem nada a ver com a inocente ideia ideal do relacionamento, que era: vamos ser eternamente felizes porque a paixão vai durar para sempre.

    Para a maior parte das pessoas que têm filhos a paixão dura até ao primeiro filho ou então abranda muito. Depois dos filhos tudo muda e muito. A mulher muda muito do ponto de vista hormonal e o homem também. Depois, a energia e a atenção deixam de estar centradas em cada um e são dirigidas para o filho. Porque dou o exemplo do casamento? Porque é uma das decisões e fases mais importantes da nossa vida e é, no fundo, uma decisão em que investimos muito emocionalmente, temporalmente, financeiramente, etc. O ser humano investe muito nas relações íntimas, seja o casamento, a união de facto ou um namoro, pois há a partilha de casa, há contas conjuntas, há a intimidade das famílias do companheiro ou companheira, etc.

    A intimidade é um investimento a longo prazo. A companheira diz-nos coisas que mais ninguém iria dizer porque se dissessem provavelmente nunca mais falaríamos com essa pessoa. Como é a companheira, ou companheiro, a dizer e muitas vezes tem razão no que diz, o outro ouve e isso precipita a mudança para melhor. Ela conhece a nossa intimidade, ela sabe os nossos calcanhares de Aquiles, e vice-versa, obviamente.

    Portanto, a decisão de viver com alguém é uma decisão muito importante e necessárias para a maior parte dos seres humanos. Que todos possam crescer emocionalmente e espiritualmente através da união amorosa.

    Paulo Abreu Vieira

    Outubro, 2022

    (Texto retirado de um dos cursos do Prof. Paulo)

  • Navarātrī – As nove noites da Durgā

    Do dia 26 de Setembro ao dia 5 de Outubro celebra-se o Princípio Feminino e a vitória do bem contra o mal, num Festival Hindu chamado Navarātrī, as nove noites. Este Festival, é bianual. Um ocorre na primavera, por isso é chamado de Vasanta Navarātrī, o outro, mais importante e popular, ocorre no Outono, sendo chamado de Śarada Navarātrī.

    São 9 noites de prece, de rituais e de muita devoção à Durgā, a Mãe do Universo, e consorte do Senhor Śiva, nas quais os devotos expressão a sua devoção ao máximo para poderem beneficiar de uma vida mais harmoniosa e pacífica.

    Nestas nove noites, 9 formas da Durgā são reverenciadas ritualmente para conferirem os resultados desejados e respetivos. Em baixo seguem três estrofes que referem as nove formas da Durgā, que podem ser encontradas numa obra de reverencia à Devī, intitulada Śrīdurgāsaptaśati, e muito conhecida e adorada pelos Śāktas, aqueles que seguem a adoração da Śakti.

    प्रथमं शैलपुत्री च द्वितीयं ब्रह्मचारिणी ।

    तृतीयं चन्द्रघण्टेति कूष्माण्डेति चतुर्थकम् ॥

    prathamaṃ śailaputrī ca dvitīyaṃ brahmacāriṇī |

    tṛtīyaṃ candraghaṇṭeti kūṣmāṇḍeti caturthakam ||

    पञ्चमं स्कन्दमातेति षष्ठं कात्यायनीति च ।

    सप्तमं कालरात्रीति महागौरीति चाष्टमम् ॥

    pañcamaṃ skandamāteti ṣaṣṭhaṃ kātyāyanīti ca |

    saptamaṃ kālarātrīti mahāgaurīti cāṣṭamam ||

    नवमं सिद्धिदात्री च नवदुर्गाः प्रकीर्तिताः ।

    उक्तान्येतानि नामानि ब्रह्मणैव महात्मना ॥

    navamaṃ siddhidātrī ca navadurgāḥ prakīrtitāḥ |

    uktānyetāni nāmāni brahmaṇaiva mahātmanā ||

    Tradução:

    As nove Durgās são chamadas: primeiro Śailaputrī, em segundo, Brahmacāriṇī, em terceiro Candraghaṇṭā, em quarto Kūṣmāṇḍā, em quinto, Skandamātā, em sexto, Kātyāyanī, em sétimo Kālarātrī, em oitavo, Mahāgaurī e em nono, Siddhidātrī. Estes nomes (sagrados) foram revelados por Brahmā, cuja mente é imensa (em sabedoria).

    Assim sendo, em cada noite uma das formas de Durgā é reverenciada de acordo com as estipulações e procedimentos.

    1 – Śailaputrī – A Filha da Montanha

    2 – Brahmacāriṇī – A Asceta

    3 – Candraghaṇṭā – Aquele cujo sino (brilha) como a Lua

    4 – Kūṣmāṇḍā – Aquela que tem calor no Ventre – representa a fertilidade

    5 – Skandamātā, a Mãe de Skanda

    6 – Kātyāyanī – Representa a forma suprema, representa o poder

    7 – Kālarātrī – A Noite Escura – representa a dissolução do cosmos

    8 – Mahāgaurī – A Imensamente Brilhante – representa o conhecimento

    9 – Siddhidātrī – A que confere sucesso – Mokṣa.

    O festival Navarātrī pode ser festejado de forma diferente, sem a reverência das nove formas da Devī, reverenciando, ao invés, nas três primeiras noites, Durgā, nas três noites do meio, Lakṣmī, e nas últimas três noites, Sarasvatī.

    Durgā representa a coragem, a saúde, e é a consorte de Śiva. Lakśmī, representa a riqueza e a beleza e é a consorte de Viṣṇu. Sarasvatī representa as artes e a sabedoria, sendo a consorte de Brahmā.

    Este festival representa a vitória da Deusa sobre o mal, representado por Mahiśasura, um demónio com a forma de um búfalo que derrotou todos os devas. Derrotados, os devas reúnem e unificam os seus poderes, criando, a Durgā, que derrotará o demónio, no 10º dia da batalha, dia esse que recebe o nome de vijaya daśamī, o décimo dia lunar da vitória.

    A vitória sobre os demónios indica a capacidade de vencer as tendências destrutivas da mente. A batalha é representada externamente, servindo como espelho e pretexto para a reflexão que visiona o crescimento emocional e a maturação espiritual.

    Posto isto, claro é que estas nove noites são nove oportunidades de expressarmos as imensamente terapêuticas qualidades que um mumukṣu deve ter: devoção e gratidão.

    Possam estas noites ser mágicas para todos!

    Setembro de 2022

    Paulo Abreu Vieira

  • Mensagem Importante do dia do Guru

    A vida é uma grande viagem. A morte é outra grande viagem. Entramos neste mundo e dele sairemos um dia. Somos eternos viajantes perdidos na eternidade do saṁsāra quando nascemos. Indefesos e caídos neste mundo complexo, tremendamente dinâmico e instável, tentamos navegar com estabilidade, quase sempre sem sucesso. Os despistes e as colisões são constantes, inevitáveis, são o dia-a-dia cru de muitos de nós e deixam marcas profundas, individualmente e coletivamente.

    Não bastava o universo ser instável, as pessoas tornam-se instáveis nele. Vivem numa instabilidade quotidiana composta de ansiedades, medos, raivas, irritações, incompreensões, ódios, indiferenças e muitas mais questões do foro psicológico que quebram a sanidade outrora vivida em criança, fazendo dela uma utopia confirmada.

    Olhe à sua volta e aprecie as pessoas. Vivem freneticamente, apressadas para a morte, hipnotizadas por uma promessa de bem-estar que nunca chega. Correm como loucas atrás dessas promessas sem saberem que nada mais são do que uma cruel miragem assassina projetada pela ignorância.

    A mensagem é clara: “Desperta! Acorda! Está na hora de questionares o que andas aqui a fazer! Vives ou sobrevives?! Ou direi mesmo “sub-vives”?! Estas a seguir o teu talento, alinhado por um propósito maior?!”

    Se a resposta a estas perguntas não é clara como água cristalina, então reflete. Repara que nada até ao momento te trouxe o que realmente procuras e que muito provavelmente irá continuar a ser assim. Como esperas ter resultados diferentes fazendo a mesma coisa?!

    Está na hora de trazer para a Vida uma boa dose de espiritualidade e descobrir o que significa a Vida para ti. A necessidade coletiva é de conexão, de amor, de paz e de felicidade. Sempre foi, sempre será. O Guru é importante porque ele é a chave que abre a porta para a dimensão espiritual da vida, onde, precisamente a conexão, o amor, a paz e a felicidade residem à espera de serem descobertas.

    Quando penso no Guru, o Mestre, penso Nele como o enviado especial e capaz de quebrar o feitiço da hipnose da ignorância. Ele é o Despertador, aquele que desperta os demais. Ele é a Luz que remove a ignorância. Ele é o Cantor que canta a Canção do Absoluto embalando de amor os corações da humanidade. Ele é o Cirurgião, que opera os olhos e remove a cegueira existencial. Ele é a Mãe que acolhe a nossa dor e nos nutre com o alimento espiritual. Ele é o Pai que nos indica onde poderemos errar e nos protege das adversidades. Ele é o Espelho que espelha as nossas dificuldades. Ele é o Guerreiro interno que habita em cada um de nós. Ele é a Humildade que tempera o Conhecimento. Ele é a Força do Universo que quer o nosso maior bem. Jaya Guru!

    Paulo Abreu Vieira,

    Maia, 13/07/2022