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Milagre mais evidente do que este
Beija-me a brisa ao de leve a pele num gesto terno de pura calma,
da janela mergulho na magia das cores que entram na alma…
são colorido fogo criativo, são a divina dança de Śiva,
cuja fragrância do milagre da vida faz a minha mente cativa.O gesto esvoaçado de um pardal pintado de liberdade,
os risos gritados, bonitos e puros da inocência da mocidade
a dança das folhas e flores embaladas por melodiosa brisa,
tudo isso é a Verdade, é expiração poética que a alma improvisa.E esse mesmo é o fio que tece os pensamentos,
E que une as memórias dos amores, dores e fantasias,
e que alimenta a imaginação e a esperança de melhores dias.Uma só força, imaterial, atemporal, imaculada e imutável impera e
permeia todo e qualquer ser deste quadro vivo de êxtase e felicidade.
Preso na contemplação da verdade, aprecia-te, és pura liberdade.São urdidos os seres por poder maior que os ultrapassa,
vivificados pela eterna presença que sempre os abraça.
São expressão finita da infinitude, limitações do ilimitado,
são o amor feito vida por tantos poetas cantado.São um rio de força que desce e sobe ao mesmo tempo,
E tudo isso contido num só eterno momento,
O Agora, este mesmo, cuja origem é lugar nenhum,
a que os visionários unanimemente chamam de Um.Paulo Abreu Vieira
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भगवद्गितायाः व्याकरणम् – Análise gramatical da Bhagavadgītā (continuação)
Símbolos usados na análise gramatical:
√ – raíz verbal; ⊘ – indeclinável; m – género masculino; f – género feminino; n – género neutro; I/1 – primeira pessoa singular; II/1 – segunda pessoa singular (a numeração romana indica a pessoa, a numeração indo-arábica indica o número, que pode ser singular, dual ou plural; 1/1 – 1º caso singular; 1/2 – 1º caso dual; 1/3 – 1º caso plural; 2/1 – 2º caso singular (existem oito casos, vibhaktis, no total; 7/1 – sétimo caso singular; P – parasmaipadī; Ā – ātmanepadī; U – ubhayapadī; VA – voz ativa (kartari prayoga); VP – voz passiva.अर्जुन उवाच ।
दृष्ट्वेमं स्वजनं कृष्ण युयुत्सुं समुपस्थितम् ॥ १.२८ ॥
सीदन्ति मम गात्राणि मुखं च परिशुष्यति ।
वेपथुश्च शरीरे मे रोमहर्षश्च जायते ॥ १.२९ ॥पदच्छेदो (सन्धिच्छेदः) विभक्तिपरिच्छेदः पदार्थो व्युत्पत्तिश्च
अर्जुनः 1/1m – Arjuna; उवाच III/1, 2P√वच् (वच, परिभाषणे), लिट् लकारः, VA (कर्तरि प्रयोगः) – ele disse:
दृष्ट्वा Ø 1P√दृश् + क्त्वा – tendo visto, vendo; इमं 2/1m सर्वनाम, इदम् शब्दः – este; स्वजनं 2/1m – minha gente (स्वस्य जनः स्वजनः, तम्); कृष्ण 8/1m – ó Kṛṣṇa; युयुत्सुं 2/1m – desejoso de lutar (योद्धुम् इच्छुः) युयुस्तुः, तम्); समुपस्थितम् 2/1m, सम्-उप-1P√स्था + kta – presente, reunidos, estacionados; सीदन्ति III/3 1P√सद् – fraquejam; मम 6/1 सर्वनाम, अस्मद् शब्दः – meus; गत्राणि 1/3n – membros; मुखं 1/1n – boca; च Ø – e; परिशुष्यति III/1, परि-4P√शुश् – seca, está seca; वेपथुः 1/1m – tremor; च Ø – e; शरीरे 7/1n – no corpo; मे – meu; रोमहर्षः 1/1m – eriçar dos pelos; च Ø – e; जायते III/1, 4A√जन् – nasce, surge.अन्वयः
अर्जुनः उवाच ।
इमं युयुत्सुं समुपस्थितम् स्वजनं हे दृष्ट्वा कृष्ण मम गात्राणि सीदन्ति मुखं च परिशुष्यति मे शरीरे वेपथुश्च रोमहर्षश्च जायते ॥
V.1.28 e 1.29 – Arjuna disse: Ó Kṛṣṇa, tendo visto esta minha gente aqui presente (e) desejosa por combater, os meus membros fraquejam, a minha boca seca, surge (um) tremor no meu corpo e os (meus) pelos ficam eriçados.Paulo Abreu Vieira
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A Necessidade de Uma Mente Madura para a Libertação
Vedānta é um caminho só de ida no qual é inevitavelmente necessário deixar para trás a tralha que só atrapalha a viagem. Isso passa obrigatoriamente por crescer emocionalmente, e quem não quiser crescer ou achar que não precisa de crescer, não conseguirá fazer a viagem e estará a enganar-se a si mesmo, lamentavelmente.
Para a pessoa com inteligência média assistir às aulas de Vedānta e ganhar o vislumbre do ensinamento não é assim tão difícil, especialmente se o professor for um comunicador hábil que transmita o conhecimento de forma simples e clara. De facto, é inevitável que esse vislumbre aconteça; irá certamente acontecer. Se a pessoa tiver foco mental e a fase da vida em que a pessoa assiste mais entusiasticamente às aulas for boa, é de esperar que a pessoa ganhe um entendimento superficial da natureza da realidade. Digo isto porque o Vedānta, sendo um pramāṇa, meio de conhecimento, funciona, é eficaz.
O entendimento não é tudo no Vedānta, é uma parte de um todo que precisa de ser completo para que o fruto do conhecimento se manifeste. O estilo de vida chamado de Yoga é uma parte importante e fundamental, sem a qual, Vedānta está destinado a fracassar. O Yoga deverá preceder o Vedānta – esta é a condição intransponível. Se deseja ganhar o conhecimento inabalável do Eu maior, da realidade, então, nesse caso, viva uma vida de Yoga.
Yoga é o processo de vida através do qual certas qualidades e virtudes são ganhas e a que chamamos de maturidade emocional e espiritual. A Bhagavadgītā, o maior tratado de Autoconhecimento e Yoga, menciona algumas – amānitvam, ausência da exigência de respeito, adambhitva, ausência de exibicionismo ou pretensão, ahimsā, não-violência, kṣānti, aceitação objetiva, arjavam, integridade ou alinhamento entre pensamento palavra e ação, etc. Noutras obras, outros mestres mencionam as virtudes que constituem em si a elegibilidade para o entendimento, chamadas de sādhana-catuṣtaya, o conjunto dos quatro meios (indiretos) para o conhecimento: viveka, discriminação e discernimento, vairāgya, desapego ou desprendimento, śamādi, calma e tranquilidade, etc. A lista das qualidades e virtudes a serem ganhas é grande e importante. Todos os mestres as realçam e não se cansam de lhes atribuir valor.
Sem o ganho destas virtudes a mente será instável, conflituosa, irrequieta e tremendamente problemática, causando muita aflição. As virtudes ou os valores incidem na mente, pois é na mente que grande parte do trabalho tem que ser feito, tanto a nível emocional como focal.
Sem emoções relativamente apaziguadas e sem capacidade de gestão emocional não há conhecimento que aguente e o vislumbre ganho na aula não impacta. Sem capacidade de foco continuado não há a possibilidade de contemplação séria e sem contemplação não há assimilação do conhecimento. As qualidades e valores a serem buscados pelo aluno de Vedānta tornam a mente um recipiente saudável onde o conhecimento permanece para ser apreciado. Caso contrário, a mente é como um recipiente rachado e disfuncional. O conhecimento esvair-se-á pelas rachadelas da sua mente e por mais que se queira retê-lo, a impossibilidade da retenção impõe-se tiranicamente.
Se a mente é o recipiente onde o conhecimento é recebido e retido, nutra-a. Diligentemente aprenda a melhorar a condição da sua mente. Impregne-a de compaixão, de compreensão, de calma, de discernimento, de foco, de paciência e de todos os valores que o Vedānta menciona.
Não tente contornar a tradição de ensino, pensando que é mais esperto ou sábio do que ela. Receba de coração aberto os ensinamentos, sejam sobre Yoga ou Vedānta, e entenda que sem maturidade a libertação é um castelo nas nuvens.
Maia, Março de 2023
Paulo Abreu Vieira -
A Coragem de Olhar para Dentro
Geralmente quando se pensa em coragem associamo-la aos atletas de desportos de combate, de desportos radicais, ou a profissões de risco nas quais é grande e constante a convivência com a iminência da morte. Penso que tal associação está correta e é muito válida, porque, de facto, esses atletas e profissionais acima referidos têm muita coragem. Afinal de contas, enfrentar a própria morte ou a possibilidade elevada de uma lesão física que poderá limitar para sempre a vida é um sinal de grande coragem e é, definitivamente, louvável e memorável.
Contudo, agora gostaria de trazer a atenção do leitor para outro tipo de direcionamento dessa força interna chamada coragem. Falo-lhe da coragem para olhar para dentro e ver, muito honestamente, o que precisa de ser visto, sem rodeios, sem desculpas e sem negações.
Somos feitos de bom e de mau. Em cada um há um tanto de coisas boas a que poderemos chamar de virtudes e valores e há, também, inevitavelmente, outro tanto de coisas más – ou que conotamos como más – a que podemos chamar de defeitos ou desvirtudes. Nem tudo são rosas nos seres humanos.
Acontece que somos ou estamos treinados para mostrar o nosso bom e esconder o nosso mau, até porque essa é uma forma segura de sermos aceites e amados pelos outros, como é óbvio, facilmente entendível, necessário e muito desejável numa sociedade, pois, para que uma sociedade funcione bem, é necessário que todos nos possamos entender e respeitar, no mínimo, e, utopicamente, que nos possamos amar e acolher, mesmo perante as enormes divergências mútuas.
Será que o bom que mostramos é realmente o nosso genuíno bom? Ou será o bom que os outros querem ver e que é necessário mostrarmos para sermos aceites e amados? Ou seja, será que estamos a fazer de conta que somos bons, ou estamos mesmo a mostrar bondade genuína? A resposta a estas questões é difícil e cada um tem que olhar para dentro e descobrir. Para olhar para dentro é necessário muita coragem pois corremos o risco de ver coisas das quais não gostamos. Este é o risco de descobrir a verdade – pode ser dura de aguentar.
Falo-lhe do lado sombra que tende a ficar na penumbra, em silêncio, esquecido, adorando passar despercebido como se não existisse. E uma parte de nós sabe que ele existe, mas é conivente e negligente, ou mesmo covarde – é preferível não olhar para o que é feio, pois assim não se sente a dor da feiura. E todos temos muita feiura escondida para a qual nos recusamos a olhar.
O guerreiro interno recusa-se à covardia pois sabe muito bem que dela advém a estagnação ou a regressão do processo de maturidade e isso é insuportável para ele, que já descobriu a glória que lhe é destinada por direito. Por isso cavalga para essa glória, deseja esse triunfo sobre a sombra, sobre o seu lado de feiura.
Amor que é amor, ama o feio e o bonito, simplesmente por que ama, e quando esse amor ama, vê o feio como bonito. Tal é o poder do amor e a sua intrínseca incondicionalidade. Seguindo o mesmo trajeto de pensamento, o amor próprio é aquele que acolhe todas as dimensões psicológicas que coabitam internamente, sejam elas de carácter esteticamente belo ou não. Então, olhar para o lado sombrio da psique é amor próprio e é coragem também, pois é a certeza do encontro da feiura que jaze em cada um e do sentir das dores subsequentes desse triste mas glorioso encontro.
Não é fácil admitir a mentira entranhada na forma de ser e esculpida anos a fio pelo cinzel da ignorância e da vergonha. Não é fácil admitir a inveja do sucesso dos nossos irmãos e amigos, que desejam intimamente a mesma felicidade e realização que todos os outros. Não é fácil admitir as raivas suprimidas por desejos de agradar e de aceitação, que tantas vezes nos separam daquilo que deveríamos ter sido. Não é fácil brilhar na presença daqueles que ainda não têm luz pois a antecipação da pena crucifica essa nossa luz. Não é fácil chorar as nossas fraquezas quando todos esperam a nossa força, porque eles mesmos são fracos. Não é fácil olhar para dentro, pois se o fizermos de forma honesta e corajosa iremos descobrir o quanto falta crescer.
Olhar para dentro é amor próprio e amar nunca foi fácil. Todavia, se amar é incondicional e acolher, então amor próprio é o acolhimento incondicional de tudo aquilo que somos, tanto de mau, quanto de bom.
Fevereiro 2023
Paulo Abreu Vieira
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A Importância do Yoga em Vedānta
Grandes objetivos geralmente exigem grandes esforços. Grandes conquistas exigem grandes compromissos. Grandes viagens exigem grandes preparações. Quanto maior for a dimensão daquilo que deseja, em princípio maior será o investimento necessário.
Dito isto, mokṣa, a libertação do sofrimento, é o derradeiro objetivo do Vedānta, que definitivamente não é ganho com uma atitude casual perante a vida. Para que a libertação seja ganha é necessário um compromisso constante acompanhado de muita resiliência.
Yoga é o meio para ganhar o necessário e essencial para a frutificação do Vedānta, e isso abrange ganhar uma mente afiada e um coração relativamente pacificado e bondoso. Para que estes, mente afiada e coração bondoso, sejam ganhos, a pessoa tem que levar uma vida de valores éticos e morais. Quanto a isto não há dúvida alguma.
Para além disso, uma vida de valores éticos e morais é chamada uma vida de dharma e certamente vai atrair circunstâncias de vida conducentes e imensamente favoráveis para o processo de estudo de Vedānta.
O processo de estudo requer uma certa introspeção saudável. Esta só é possível se existir uma certa preparação emocional. Se não for assim o aluno não consegue estar consigo mesmo em paz e irá procurar distrações e o Yoga torna a pessoa capaz e elegível para a introspeção sem causar escapismo.
Somente o aluno que tenha ganho o valor pela solitude, pela meditação e pelos valores éticos e morais é que terá a disposição interna de mergulhar no ensinamento de Vedānta e torná-lo parte de si. Sem a disposição interna gerada por uma vida de Yoga, o Vedānta é incapaz de germinar a semente do conhecimento, assim como uma semente é incapaz de germinar em cimento.
Não há Vedānta sem Yoga e Yoga sem Vedānta fica incompleto. O Yoga completa-se com Vedānta e tudo o que ajudar a pessoa a ganhar maturidade, foco mental, capacidade meditativa e a seguir o dharma pode ser chamado de Yoga, seja ele vindo da Índia ou de outro lugar.
Então, lembre-se de que o processo de crescimento está nas suas mãos, pois mais ninguém poderá crescer por si. Crescer é algo que terá que fazer sozinho. E lembre-se também que o Vedānta está nas mãos do professor. Chegue às aulas de Vedānta munido de Yoga, deixe que o ensinamento e o professor façam a sua função e verá em primeira mão como é bom resultado das aulas.
Paulo Abreu Vieira
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10 Dicas Importantes Para o Bem-Estar Psicológico
O percurso de qualquer pessoa é muitas vezes assolado pelas tempestades karmicas que trazem inesperadamente eventos e situações de vida catastroficamente avassaladores. Há períodos onde essas intempéries são mais frequentes e intensas e há períodos onde a bonança predomina e a vida é um alternar entre estes dois.
Ser objetivo e maduro implica viver com o entendimento claro de que a dualidade experiencial é um facto acerca das nossas vidas do qual ninguém escapará. Esta objetividade madura é assente na compreensão de que o escapismo não é, nunca foi, nem nunca será uma solução; no máximo, se é que pode ser usado – e raras vezes – é um adiamento do inevitável, talvez necessário para se poder obter algum tempo de resposta a uma situação que ainda não a tem, para depois, ser seguido da apropriada resolução.
Tenho visto intimamente no acompanhamento de muitos alunos que um dos desafios maiores, para talvez 80% deles, é o bem-estar psicológico. Assim sendo, pensei em deixar aqui 10 dicas simples e importantes para que cada um possa trabalhar conscientemente para o seu bem-estar psicológico e se torne o principal protagonista desse seu dever individual, sobre o qual, ninguém – mesmo ninguém – tem autoridade ou jurisdição. Por outras palavras, somente o leitor – você – e mais ninguém, pode e deve zelar pela criação do seu bem-estar psicológico e, se não o fizer, não tem direito de culpar ninguém pela sua negligência ou apatia, porque, realmente, ninguém tem culpa daquilo que você não valoriza e aprimora.
Seguem então 10 dicas para que possa começar a CRIAR o seu Bem-Estar Psicológico:
1 – Aprenda a dizer Não quando é preciso: quem diz sim a tudo, eventualmente, nega-se a si mesmo. Esta auto-negação resulta em frustração, raiva, depressão, etc.
2 – Faça OBRIGATORIAMENTE uma atividade física pelo menos 5 dias por semana. Pode ser caminhar, correr, andar de bicicleta, ou outra atividade fitness. Se for em grupo pode ser ainda mais benéfico. A ciência médica aconselha o exercício físico regular e moderado para todos, ajustado, obviamente à idade de cada um.
3 – Pratique Yoga duas vezes por semana. Pode alternar o Yoga com os dias do exercício físico. O Yoga ajuda-o a conectar-se com a sua intimidade num ambiente equilibrado que é o da sala de aula. Vai aprender muito sobre o seu corpo, a sua respiração, as suas emoções e a sua mente.
4 – Pratique Meditação TODOS OS DIAS. Comece por cinco minutos diários e depois vá aumentando gradualmente para 10, 20, até chegar aos 45 minutos diários se o seu tempo permitir. A ciência já descobriu que as pessoas que meditam regularmente são mais felizes e têm mais qualidade de vida interior.
5 – Faça algum tipo de voluntariado ou atividade onde deliberadamente ajuda o próximo sem esperar nada em troca. Descubra a intensa riqueza interna que é ajudar os outros.
6 – Recorde-se de uma atividade que o fazia feliz em criança ou jovem e recomece a fazê-la. Pode ser cantar, dançar, pintar, tocar um instrumento, jogar futebol, etc. Pelo menos uma vez por semana faça 30 minutos a 1h dessa atividade. Irá com certeza reconectar-se com a força da sua criança interior.
7 – Estabeleça pequenas metas diárias na expressão da gratidão e do amor. Estabeleça, por exemplo, que vai expressar a sua gratidão e o seu amor duas vezes de manhã e duas vezes de tarde à sua esposa, à sua mãe, aos seus filhos, etc. Sinta-se criança de novo nessa expressão dos sentimentos nobres.
8 – Alimente-se conscientemente para que possa estabelecer-se no peso adequado à sua altura.
9 – Em vez de passar tempo nas redes sociais, leia um bom livro, veja um bom filme, dê bons passeios na natureza.
10 – CHEGA DE DESCULPAS. Se ao ler as 9 dicas anteriores a sua mente colocou objeções e desculpas, então repita para si mesmo: CHEGA DE DESCULPAS e comece a trabalhar para criar o seu bem-estar.
Para a maior parte das pessoas, quer estudem Vedānta ou não, as dicas aqui apresentadas vão trazer imenso benefício se seguidas diligentemente. Só há uma forma de saberes se resultam ou não – é seguindo-as.
21, Novembro 2022
Paulo Abreu Vieira
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Relações e Ralações
Todos os seres humanos se casam com a esperança de encontrarem a felicidade, porque essa é a experiência da paixão. A paixão mútua, a paixão correspondida, que que ambos sentem um pelo outro, produz um senso união, de pertença, um senso de união, um senso de que acolhimento, de que se é amado. Este senso é tão, tão grande, que é mais importante que a própria mãe. Por isso somente, a pessoa sai das “saias da mãe” e vai casar, e vai fazer uma vida a dois com outra pessoa, na esperança que vá produzir a felicidade última de todas as coisas, a completude da união apaixonada.
Porém, acontece que a pessoa começa a relacionar-se intimamente e a relação íntima naturalmente causa uma fricção, causa um atrito natural, como quando duas coisas se encostam e roçam uma a outra. Este atrito vai ser tão maior quanto maiores quanto maiores for as questões emocionais que já vem de trás, quanto mais e mais intensos forem os traumas.
Contudo, a pessoa parte para um relacionamento amoroso, que pode ser um casamento ou um namoro, totalmente esperançosa de encontrar a felicidade, a eterna paixão, o senso de união, de acolhimento, de pertença e de ser incondicionalmente amada, o que não acontece. No início até acontece, mas depois naturalmente esvai-se. A pessoa espera em vão que a paixão se mantenha inalterada até ao fim da vida, tal e qual como nos filmes de Hollywood e em todos esses contos, porém, não acontece assim, porque uma relação não é um mar de rosas. Uma relação raramente ou nunca acontece vemos nesses filmes e contos. É que nem mesmo os atores de Hollywood que fazem esses papéis conseguem viver o sonho de Hollywood. Eles acabam por se separar, muitas vezes de forma triste e litigiosa.
A fricção que vem ao de cima durante os relacionamentos por causa dos traumas emocionais já trazem e obviamente por causa das diferenças de personalidade, que têm que se ajustar para o relacionamento funcionar, fluir e ser saudável, é natural, é normal. Não existe relacionar-se sem fricção. O truque é minimizar as fricções pois assim minimizamos as ralações. Não transforme a sua relação numa ralação.
As pessoas têm que fazer cedências, têm que aprender a fazer cedências de parte a parte, de modo a que os dois sintam que estão a ganhar. A pessoa eventualmente descobrirá que uma das coisas mais importantes da vida é o casamento e que este é um projeto comum a longo prazo, talvez o projeto mais a longo prazo que existe entre dois seres humanos, onde há filhos para educar, de forma a que estes possam dar o seu melhor ao mundo e se tornarem bons seres humanos e contribuírem para um mundo melhor.
Então, não é só a mensagem genética que é passada geracionalmente, há também uma passagem de valores éticos, morais, culturais e familiares dos pais para os filhos, como é óbvio. Apesar do ideal ser este, ambos descobrem que o projeto casamento, a maior parte das vezes, não tem nada a ver com a união que sentiram durante a fase da paixão. O casamento pode começar por paixão, mas em si nada tem a ver com paixão.
Apreciamos facilmente que em muitos casos, se não na maior parte deles, a relação a dois traz mais dor do que prazer. Se realmente a pessoa que está num relacionamento quer crescer, haverão inevitavelmente desafios desagradáveis e dolorosos, e não serão poucos. Pensar de outra forma é inocência.
Apesar das muitas dificuldades inerentes à vida de casado, tem que haver momentos alegres e de prazer, pois senão é praticamente impossível manter a relação. Se o balanço entre os momentos bons e maus for muito negativo, obviamente a relação não tem pernas para andar. Na medida em que ambos, não interessa se são dois homens, ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher, estão dispostos a crescer na relação e a encarar as suas dificuldades emocionais, que vêm de trás, como vimos, com a disposição e a intenção de se tolerarem e de aceitarem as dificuldades de cada um, nessa medida têm algo muito importante, que é um projeto de crescimento emocional comum, que não tem nada a ver com a inocente ideia ideal do relacionamento, que era: vamos ser eternamente felizes porque a paixão vai durar para sempre.
Para a maior parte das pessoas que têm filhos a paixão dura até ao primeiro filho ou então abranda muito. Depois dos filhos tudo muda e muito. A mulher muda muito do ponto de vista hormonal e o homem também. Depois, a energia e a atenção deixam de estar centradas em cada um e são dirigidas para o filho. Porque dou o exemplo do casamento? Porque é uma das decisões e fases mais importantes da nossa vida e é, no fundo, uma decisão em que investimos muito emocionalmente, temporalmente, financeiramente, etc. O ser humano investe muito nas relações íntimas, seja o casamento, a união de facto ou um namoro, pois há a partilha de casa, há contas conjuntas, há a intimidade das famílias do companheiro ou companheira, etc.
A intimidade é um investimento a longo prazo. A companheira diz-nos coisas que mais ninguém iria dizer porque se dissessem provavelmente nunca mais falaríamos com essa pessoa. Como é a companheira, ou companheiro, a dizer e muitas vezes tem razão no que diz, o outro ouve e isso precipita a mudança para melhor. Ela conhece a nossa intimidade, ela sabe os nossos calcanhares de Aquiles, e vice-versa, obviamente.
Portanto, a decisão de viver com alguém é uma decisão muito importante e necessárias para a maior parte dos seres humanos. Que todos possam crescer emocionalmente e espiritualmente através da união amorosa.
Paulo Abreu Vieira
Outubro, 2022
(Texto retirado de um dos cursos do Prof. Paulo)
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Navarātrī – As nove noites da Durgā
Do dia 26 de Setembro ao dia 5 de Outubro celebra-se o Princípio Feminino e a vitória do bem contra o mal, num Festival Hindu chamado Navarātrī, as nove noites. Este Festival, é bianual. Um ocorre na primavera, por isso é chamado de Vasanta Navarātrī, o outro, mais importante e popular, ocorre no Outono, sendo chamado de Śarada Navarātrī.
São 9 noites de prece, de rituais e de muita devoção à Durgā, a Mãe do Universo, e consorte do Senhor Śiva, nas quais os devotos expressão a sua devoção ao máximo para poderem beneficiar de uma vida mais harmoniosa e pacífica.
Nestas nove noites, 9 formas da Durgā são reverenciadas ritualmente para conferirem os resultados desejados e respetivos. Em baixo seguem três estrofes que referem as nove formas da Durgā, que podem ser encontradas numa obra de reverencia à Devī, intitulada Śrīdurgāsaptaśati, e muito conhecida e adorada pelos Śāktas, aqueles que seguem a adoração da Śakti.
प्रथमं शैलपुत्री च द्वितीयं ब्रह्मचारिणी ।
तृतीयं चन्द्रघण्टेति कूष्माण्डेति चतुर्थकम् ॥
prathamaṃ śailaputrī ca dvitīyaṃ brahmacāriṇī |
tṛtīyaṃ candraghaṇṭeti kūṣmāṇḍeti caturthakam ||
पञ्चमं स्कन्दमातेति षष्ठं कात्यायनीति च ।
सप्तमं कालरात्रीति महागौरीति चाष्टमम् ॥
pañcamaṃ skandamāteti ṣaṣṭhaṃ kātyāyanīti ca |
saptamaṃ kālarātrīti mahāgaurīti cāṣṭamam ||
नवमं सिद्धिदात्री च नवदुर्गाः प्रकीर्तिताः ।
उक्तान्येतानि नामानि ब्रह्मणैव महात्मना ॥
navamaṃ siddhidātrī ca navadurgāḥ prakīrtitāḥ |
uktānyetāni nāmāni brahmaṇaiva mahātmanā ||
Tradução:
As nove Durgās são chamadas: primeiro Śailaputrī, em segundo, Brahmacāriṇī, em terceiro Candraghaṇṭā, em quarto Kūṣmāṇḍā, em quinto, Skandamātā, em sexto, Kātyāyanī, em sétimo Kālarātrī, em oitavo, Mahāgaurī e em nono, Siddhidātrī. Estes nomes (sagrados) foram revelados por Brahmā, cuja mente é imensa (em sabedoria).
Assim sendo, em cada noite uma das formas de Durgā é reverenciada de acordo com as estipulações e procedimentos.
1 – Śailaputrī – A Filha da Montanha
2 – Brahmacāriṇī – A Asceta
3 – Candraghaṇṭā – Aquele cujo sino (brilha) como a Lua
4 – Kūṣmāṇḍā – Aquela que tem calor no Ventre – representa a fertilidade
5 – Skandamātā, a Mãe de Skanda
6 – Kātyāyanī – Representa a forma suprema, representa o poder
7 – Kālarātrī – A Noite Escura – representa a dissolução do cosmos
8 – Mahāgaurī – A Imensamente Brilhante – representa o conhecimento
9 – Siddhidātrī – A que confere sucesso – Mokṣa.
O festival Navarātrī pode ser festejado de forma diferente, sem a reverência das nove formas da Devī, reverenciando, ao invés, nas três primeiras noites, Durgā, nas três noites do meio, Lakṣmī, e nas últimas três noites, Sarasvatī.
Durgā representa a coragem, a saúde, e é a consorte de Śiva. Lakśmī, representa a riqueza e a beleza e é a consorte de Viṣṇu. Sarasvatī representa as artes e a sabedoria, sendo a consorte de Brahmā.
Este festival representa a vitória da Deusa sobre o mal, representado por Mahiśasura, um demónio com a forma de um búfalo que derrotou todos os devas. Derrotados, os devas reúnem e unificam os seus poderes, criando, a Durgā, que derrotará o demónio, no 10º dia da batalha, dia esse que recebe o nome de vijaya daśamī, o décimo dia lunar da vitória.
A vitória sobre os demónios indica a capacidade de vencer as tendências destrutivas da mente. A batalha é representada externamente, servindo como espelho e pretexto para a reflexão que visiona o crescimento emocional e a maturação espiritual.
Posto isto, claro é que estas nove noites são nove oportunidades de expressarmos as imensamente terapêuticas qualidades que um mumukṣu deve ter: devoção e gratidão.
Possam estas noites ser mágicas para todos!
Setembro de 2022
Paulo Abreu Vieira
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Mensagem Importante do dia do Guru
A vida é uma grande viagem. A morte é outra grande viagem. Entramos neste mundo e dele sairemos um dia. Somos eternos viajantes perdidos na eternidade do saṁsāra quando nascemos. Indefesos e caídos neste mundo complexo, tremendamente dinâmico e instável, tentamos navegar com estabilidade, quase sempre sem sucesso. Os despistes e as colisões são constantes, inevitáveis, são o dia-a-dia cru de muitos de nós e deixam marcas profundas, individualmente e coletivamente.
Não bastava o universo ser instável, as pessoas tornam-se instáveis nele. Vivem numa instabilidade quotidiana composta de ansiedades, medos, raivas, irritações, incompreensões, ódios, indiferenças e muitas mais questões do foro psicológico que quebram a sanidade outrora vivida em criança, fazendo dela uma utopia confirmada.
Olhe à sua volta e aprecie as pessoas. Vivem freneticamente, apressadas para a morte, hipnotizadas por uma promessa de bem-estar que nunca chega. Correm como loucas atrás dessas promessas sem saberem que nada mais são do que uma cruel miragem assassina projetada pela ignorância.
A mensagem é clara: “Desperta! Acorda! Está na hora de questionares o que andas aqui a fazer! Vives ou sobrevives?! Ou direi mesmo “sub-vives”?! Estas a seguir o teu talento, alinhado por um propósito maior?!”
Se a resposta a estas perguntas não é clara como água cristalina, então reflete. Repara que nada até ao momento te trouxe o que realmente procuras e que muito provavelmente irá continuar a ser assim. Como esperas ter resultados diferentes fazendo a mesma coisa?!
Está na hora de trazer para a Vida uma boa dose de espiritualidade e descobrir o que significa a Vida para ti. A necessidade coletiva é de conexão, de amor, de paz e de felicidade. Sempre foi, sempre será. O Guru é importante porque ele é a chave que abre a porta para a dimensão espiritual da vida, onde, precisamente a conexão, o amor, a paz e a felicidade residem à espera de serem descobertas.
Quando penso no Guru, o Mestre, penso Nele como o enviado especial e capaz de quebrar o feitiço da hipnose da ignorância. Ele é o Despertador, aquele que desperta os demais. Ele é a Luz que remove a ignorância. Ele é o Cantor que canta a Canção do Absoluto embalando de amor os corações da humanidade. Ele é o Cirurgião, que opera os olhos e remove a cegueira existencial. Ele é a Mãe que acolhe a nossa dor e nos nutre com o alimento espiritual. Ele é o Pai que nos indica onde poderemos errar e nos protege das adversidades. Ele é o Espelho que espelha as nossas dificuldades. Ele é o Guerreiro interno que habita em cada um de nós. Ele é a Humildade que tempera o Conhecimento. Ele é a Força do Universo que quer o nosso maior bem. Jaya Guru!
Paulo Abreu Vieira,
Maia, 13/07/2022
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योगविश्वदिनम् – Yogaviśvadinam – O Dia Mundial do Yoga
Hoje em todo o mundo celebra-se o dia mundial do Yoga. Por essa razão, hoje decidi compartilhar consigo algumas palavras sobre o Yoga e sobre o que ele representa ou deverá representar.
Yoga, como já muito bem sabe, significa:
1 – Meditar, contemplar ou ficar absorto.
2 – Unir, associar
3 – Controlar ou parar.
Estes são os significados[1] que podemos extrair de acordo com a gramática do Sânscrito e com o dhātupāṭha, a lista das raízes verbais.
Assim, sendo, vamos mais fundo naquilo que é o Yoga –
Yoga é todo o processo físico, respiratório, emocional/mental e cognitivo que permite a um ser humano chegar a um estado calmo de absorção meditativa.
Yoga é físico porque está na forma de uma disciplina física, que envolve o corpo. Essa disciplina física faz uso de posturas físicas, denominada āsanas, que têm como principais objetivos a saúde muscular, ligamentosa e articular, promovendo e melhorando a circulação dos fluidos e da energia vital pelo corpo. Para este efeito existem muitos e variados āsanas com graus de dificuldade diferentes e com efeitos diferentes, proporcionando aos praticantes, tanto um estímulo para evoluírem dentro da prática, como também efeitos de saúde diferentes.
Yoga é respiratório porque uma das suas partes é o prāṇāyāma, as técnicas de expansão, contração e contenção do fluxo respiratório. Estas técnicas são variadas e têm efeitos diferentes, podendo acalmar a mente, ou então estimulá-la, podendo aquecer o corpo, ou então arrefecê-lo, etc. A respiração no Yoga é muito importante, pois faz a ponte entre o físico e o mental, influenciando e harmonizando ambos.
Yoga é emocional/mental pela simples e importante razão de que o yogin, o praticante, é convidado a aprender a conviver saudavelmente com as suas emoções. Este convívio saudável passa pela identificação correta das emoções que se manifestam, passa pela compreensão das necessidades que não foram supridas e que estão na base da manifestação das emoções, passa pela arte de saber estar com as emoções – principalmente as desagradáveis, como a raiva, a tristeza, o medo, etc., e passa finalmente, pela arte de expressar adequadamente as emoções às pessoas ao nosso redor, o que implica não vitimizar nem violentar ninguém devido às emoções.
Yoga é cognitivo, pois, ultimamente, terá que haver uma mudança cognitiva na forma como a pessoa se vê. Esta mudança advém do estudo de Vedānta, que revela a verdadeira natureza do Eu, do mundo e de Deus como a única realidade imutável e transcendente, a que chamamos Sat, Existência, Cit, Consciência e Ānanda, Plenitude.
Fica assim muito claro através desta pequena partilha na forma de palavras sobre o que é o Yoga, que Yoga é uma viagem profunda de transformação pessoal, sem dúvida alguma para melhor, que culmina na visão única de que a essência de tudo é o Ser, e que tomos somos esse Ser.
21 de Junho de 2022,
Paulo Abreu Vieira
[1] 1 – 7√युज् (युजिर्), योगे – raiz verbal “yuj”, pertencente à 7ª conjugação, com o significado de unir, associar.
2 – 4√युज् (युज), समाधौ – raiz verbal “yuj”, pertencente à 4ª conjugação, com o significado de meditar, contemplar, absorção.
3 – 10 √युज् (युज), संयमने – raiz verbal “yuj”, pertencente à 10ª conjugação, com o significado de parar, controlar, conter, do qual advém o significado autodomínio.
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O Infinito Ilimitado numa “casca de noz”
Nada está separado do Infinito
Uma pergunta frequente é a seguinte: – Professor eu só consigo imaginar o infinito numa galáxia no universo. O professor consegue imaginá-lo de uma outra forma?”
Repare, o infinito que é espacial ou temporal não é infinito, porque o tempo e o espaço não são absolutos. O infinito transcende todos os conceitos de espacialidade ou de temporalidade. Infinito é o “lugar” não-espacial e não-temporal onde o tempo e o espaço acontecem. Esse infinito é você, aqui presente neste preciso instante. Se o infinito existe, então nele tudo existe, incluindo o tempo e o espaço, por isso, em momento algum você está separado dele, porque nada está separado dele, incluindo você. Esse infinito só pode estar aqui e agora. Se está aqui e agora, é você, porque você está aqui e agora. Seja lá o que for o infinito, não é espacial nem temporal.
A Verdade do Tempo não é um Intervalo de Tempo
Repare que a verdade do tempo, a realidade do tempo, não é um intervalo de tempo. A verdade do tempo é este preciso instante não medível, cuja a natureza ou verdade transcende o tempo. Essa natureza é chamada Existência. A existência é o “lugar”, a verdade imutável onde o espaço e o tempo acontecem. Por outras palavras, o ser do espaço é a verdade do espaço. O ser do tempo é a verdade do tempo. O ser é a Existência, por isso pode ser chamado de Ser.
Qualquer objeto deste mundo, incluindo o espaço ou o tempo, são objetos do seu conhecimento. Por isso dizemos: A caneta é. Uma árvore é. A Terra é. O Sol é. O tempo é. O espaço é. Já parou para pensar no que é o É?! O “É” é o Ser, a Existência livre de limitações. Não há nada que não seja. Este Ser, a Existência, não é limitado pelo tempo, nem pelo espaço, porque o espaço e o tempo são. Se lhe perguntar: onde existe o tempo? Provavelmente nunca lhe fizeram esta pergunta, por isso provavelmente nunca deve ter pensado na resposta. Estará o tempo nele mesmo? Está longe do infinito? Outra pergunta é: será que o tempo pode condicionar o infinito, será que tem a capacidade de condicionar o infinito? A resposta é que o tempo existe na Existência, onde tudo existe. Quando digo “o tempo é”, isso significa que o tempo existe. O tempo depende da Existência para existir, para ser, contudo, a Existência é independente do tempo. Por isso, o tempo não tem capacidade de condicionar a Existência. Quando o tempo acabar, a Existência continuará. Jamais a Existência descontinuará de existir.
A Existência é independente de tudo, existe por Ela mesma
A Existência é independente de tudo, existe por Ela mesma. Aquilo que existe por si só, aquilo que existe sem depender de nada para existir, é a Existência. Como nada está longe ou separado da Existência, porque a Existência é ilimitada, a Existência é infinita, a Existência é o Infinito.
As pessoas estão habituadas a pensar no infinito em termos temporais e espaciais, contudo, o infinito em si é atemporal e não-espacial. O Infinito é o Ser, é a Existência não limitada temporalmente e não limitada espacialmente. Pense assim, a Existência “veste-se” da roupagem chamada espaço, que está intimamente associado ao tempo, mas, em si mesma, é totalmente independente do tempo e do espaço, porque quando o tempo e espaço terminarem, a Existência continuará a Ser, continuará a Existir. O Ser continua a ser, quer haja ou não tempo e espaço. Então, a Existência não é temporal nem é espacial, intrinsecamente falando, portanto, é ilimitada.
Agora, tendo uma mente humana habituada a pensar de forma polarizada, habituada a objetivar tudo, a tendência é tentar encapsular a Existência infinita, assim como encapsulamos todos os outros objetos de cognição. Contudo, não é possível ter a cognição do Infinito ou da Existência infinita, como quiser chamar, da mesma forma que encapsula uma caneta na sua mente. Se pensar em caneta, uma forma mental da caneta surge na sua mente. Isso é encapsular a caneta, é objetivar a caneta. O Infinito como não é um objeto da perceção dos sentidos, não pode ser objetivado pela sua mente como um objeto, por isso não pode ser encapsulado. A tendência de o imaginar deve ser abandonada pois é infrutífera.
Ao tentar imaginar o infinito em termos temporais, a mente, sendo vítima da sua polaridade, vai imaginar tudo o que passou e tudo o que virá a ser. Como a imaginação é limitada, a imaginação do infinito será limitada, será finita, será uma mera aproximação infinitamente distante daquilo que é o infinito realmente. Em termos espaciais o mesmo acontece.
Se se condiciona o Infinito por tudo o que foi para trás e por tudo o que será para a frente, espacialmente e temporalmente, estamos a dimensionar o infinito, e isso é retirar-lhe a infinitude. Por natureza o Infinito é o Absoluto, aquele que é um sem um segundo. Esse Absoluto é o que você é. Ganhar esta visão: Eu sou o Absoluto – é o objetivo do estudo Vedānta.
Então, eu não imagino o Infinito porque nunca o conseguirei fazer, nem nenhum ser humano o conseguirá fazer, pelas razões acima apresentadas. Agora, eu sei que eu sou o Infinito Absoluto, eu sei que sou a Existência infinita que permeia todas as coisas, da qual todas as coisas dependem para existir. Eu sei que transcendo este corpo-mente e sei que transcendo todos os corpos, porque, sendo eu Existência infinita, transcendo o tempo, transcendo o espaço, e tudo o que neles os dois acontece. Por esta razão, também não existe a ideia de localização interna do Eu, aqui dentro deste corpo. Você é Existência infinita, você não está localizado num ponto temporal-espacial. Por outro lado, todos os pontos temporais-espaciais estão localizados em si, Existência.
Agora darei um exemplo que ilustra bem o que acabei ser mencionar. Estou sentado na praia e vejo uma onda a rebentar na areia. E pergunto: o que é mais verdadeiro, a onda ou o oceano? Para entender a resposta primeiro é necessário entender que a onda não existe sem o oceano. A onda nada mais é do que uma forma que o oceano manifesta. Portanto, a resposta mais verdadeira é o oceano. Porquê? Porque a onda é uma consequência ou produto do oceano, porque o oceano é a causa da onda. Certo? Agora a pergunta é outra e convida a ir mais fundo na análise: quando olho para a onda e para o oceano, vejo a água; o que é mais verdadeiro, a onda, o oceano ou a água? A resposta certa é água. Porquê? Porque onda e oceano são formas da água, são formas que a água assume. A água está na forma de onda e na forma de oceano. A água assume várias formas, pode ser gelo, neve, gota, vapor de água, nuvem, rio, etc. Mas, a verdade de todas as formas de água é a água. Só há uma verdade, a água, presente em todas as formas de água, manifesta como todas as formas de água.
Quando pergunto onde está o oceano, a resposta é: ele existe na água, porque é feito de água. Posso então dizer que, no exemplo, a verdade ou o ser do oceano é a água e posso dizer que a água é o ser de todas as formas de água. Todas as formas de água têm o seu ser na água, porque, na realidade são água. A água que é sem forma, assume todas as formas, existe sem uma forma específica, contudo, pode ser todas as formas, tem potencial para ser todas as formas.
Quando se pergunta à onda que descobriu que é o oceano e que, acima de tudo, também descobriu que é água, onde está localizada, a onda responderá de várias formas. Como onda, está em dada parte do oceano, viajando nele. Como água, é o oceano inteiro, por isso está em todo lado. Se a onda se vê como na realidade é, portanto, se se vê como água, então ela não dirá que está localizada numa dada parte do oceano ou em si mesma. Ela dirá que está por todo lado.
Este é o exemplo. Agora há que entender o exemplificado – a Existência, o Infinito. Assim como a água, a Existência transcende todas as formas. Tempo e espaço existem na Existência, são formas da Existência e a Existência é a verdade de ambos, porque ambos não existem sem a Existência. Podemos ver o espaço como o vasto oceano e podemos ver o tempo como a deslocação que uma onda demora a percorrer certa distância do oceano. Então, assim como o oceano e a onda não têm realidade absoluta, porque a realidade deles é a água, da mesma forma, o tempo e o espaço não têm realidade absoluta, porque a realidade deles é a Existência. Assim como a água não tem forma, e nesse sentido não é um objeto, também a Existência infinita, não tendo forma, não é um dado objeto sensorial. Não sendo um objeto sensorial não pode ser imaginada, não pode ser encapsulada pela mente. Contudo, pode ser apreciada em todos os objetos, porque todos os objetos são existentes.
A mente só imagina objetos, só imagina formas, sejam elas visuais, sonoras, linguísticas, matemáticas, etc. Tudo neste mundo, à exceção da Existência, é objeto do pensamento. A Existência infinita que tudo transcende, que transcende todas as formas, é o Eu, Consciência. Este é conhecimento do Eu Ilimitado revelado por Vedānta. Por isso é que Vedānta é um pramāṇa, meio de conhecimento, que revela a realidade ou verdade do Eu, que, como não é um objeto dos sentidos não está disponível para ser conhecido por outros meios de conhecimento.
Maia, Março 2022,
Paulo Abreu Vieira
Citação do livro “A Luz do Conhecimento”
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Guru-śiṣya-sambandhaḥ
A Relação entre o Professor e o Aluno
A nossa vida é feita de vários tipos de relações, sem as quais não seria possível viver uma vida normal e equilibrada, porque muito do equilíbrio e força individual advém precisamente do equilíbrio e força ganhos nas relações. A todo o momento nos relacionamos com algo, seja com uma pessoa, com um animal, com uma planta, com um facto, com uma situação ou com um objeto. Quando a pessoa não se relaciona com o mundo externo, é porque, nesse momento, provavelmente está a relacionar-se com o mundo interno. Não podemos abrir mão desta joia de crescimento que são os relacionamentos.
Relações interpessoais
Existem muitos tipos de relações interpessoais. Temos relações interpessoais de sangue ou familiares, românticas ou afetivas, profissionais, amigáveis e também, podemos dizer, neutras, nas quais não há nenhum investimento emocional ou afetivo. Se alguém nos perguntar as horas na rua, há obviamente uma relação interpessoal, contudo é neutra, porque não há um investimento afetivo.
De entre as relações interpessoais, a primeira relação de um ser humano é a relação com a sua mãe. Esta é uma relação tremendamente importante, não só porque um ser humano vive 9 meses dentro de outro, mas porque, será dependente dele por bastantes anos. Um filho literalmente habita no ventre da mãe, absorvendo umbilicalmente todos os nutrientes e oxigénio que precisa. Se não fosse assim não sobreviria. A natureza é incrivelmente magnífica e sábia.Depois do parto, que é a verdadeira chegada do bebé ao mundo, o cordão umbilical é cortado. Os dois, mãe e filho, são separados fisicamente, porém, continuam juntos pelo milagroso amor de mãe. Temos então um bebé totalmente indefeso e incapaz de sobreviver sozinho, que se completa com uma mãe totalmente pronta, equipada e preparada para defender e nutrir a sua cria. Nessa altura, após o nascimento, apesar do bebé só ter ouvido a voz do pai enquanto ainda estava dentro do ventre da mãe, ele conhece-o fisicamente, sentindo agora uma energia diferente, a energia paterna, da qual também ele é feito. Então, em condições normais, a relação com o pai é a segunda relação. Juntos, pai e mãe, são tudo o que o bebé tem.
A terceira relação que o bebé conhece é a relação entre o pai e a mãe. Ele absorverá tudo o que conseguir dessa relação. Todo o amor trocado entre eles será sentido pela criança. É claro que, mesmo durante a gravidez o bebé já foi tendo conhecimento da relação entre o pai e a mãe, porque os ouvia e sentia, contudo, como ainda não estava separado fisicamente da mãe, como ainda era parte da mãe, era diferente. Ainda assim, todo o amor e também o desamor que o casal experimenta durante a gravidez vai sendo registado e absorvido pelo bebé. Como todos bem sabemos, é importante que o pai e a mãe desenvolvam entre ambos uma relação honesta, amorosa, amigável e de companheirismo para que o bebé a assimile desde muito cedo.
Obviamente, depois, na medida em que vai crescendo e desenvolvendo-se, o bebé que se transformará em criança, conhecerá os seus familiares, os amigos dos pais e fará muitas amizades com as quais terá oportunidade de brincar e aprender a relacionar-se. Eventualmente terminará os seus estudos e, eventualmente, descobrirá também qual o seu talento e contributo para o mundo, usando-o para prosperar financeiramente. Depois, bem mais tarde, caso deseje, independentemente da sua orientação sexual, poderá ter um parceiro ou parceira com quem poderá ter um bebé, seja ele biológico o adotado. Este é o ciclo – nascer, crescer, estudar, trabalhar para prosperar financeiramente, constituir família, aposentadoria e morrer.
Algumas pessoas descobrem que este ciclo, apesar de ser normal, é incompleto. Falta algo a este ciclo, porque a vida não pode ser simplesmente isto. Não faz sentido trabalhar toda uma vida para depois morrer e deixar tudo para trás. Se supusermos que este ciclo é completo então temos que admitir que ele é sem significado, simplesmente pelo facto de que as pessoas não se sentem realizadas, mesmo tendo realizado com sucesso todos os passos do ciclo. Se o ciclo fosse completo, então as pessoas, tendo-o terminado deveriam sentir-se completas e realizadas. Esse não é definitivamente o caso!A pergunta é: O que falta a este ciclo? O que completa este ciclo?
Este ciclo é assente, do início ao final, em ignorância – a ignorância fundamental, a ignorância universal. Que ignorância é esta? É a ignorância da verdadeira natureza de si mesmo e de todas as coisas. É esta ignorância a causadora do senso de vazio, o sendo de inadequação, o senso de insuficiência, que acompanha a pessoa enquanto ela atravessa todas as etapas do ciclo, mas que apenas se começa a manifestar em criança quando o senso de individualidade fica formado, e que se torna inegavelmente visível na adolescência, perdurando para o resto da vida.
Ignorando a dimensão espiritual de si mesmo e consequentemente concluindo que tudo o que a pessoa é, é somente o complexo corpo-mente, naturalmente surge insuficiência, porque o corpo, a energia vital e a mente são insuficientes. Por outras palavas, há um senso de insuficiência centrado no corpo, por isso a pessoa pensa: “não sou suficientemente bonito”, ou, “não sou suficientemente alto”, etc. Há um senso de insuficiência centrado na energia vital, e há também um senso de insuficiência centrado na mente. Este senso de insuficiência é transversal e condena a pessoa a desejar ser mais, ser mais em termos de corpo, ser mais em termos de energia e ser mais em termos de mente. Então, é esta insuficiência vestida de desejo que empurra e motiva ferozmente as pessoas para agir, agir para serem mais, agir para serem diferentes, agir para serem melhores.Há um problema radical neste ciclo incompleto, simplesmente pela razão de que não é resolvido com a ação. Por mais que a pessoa aja, continuará a sentir-se insuficiente, continuando a desejar mais e mais. Assim é porque a ação não remove o senso de insuficiência, nem remove a ignorância que o causa. Este é o feitiço da vida que aprisiona a pessoas a um ciclo intrinsecamente incapaz de as satisfazer e realizar.
Como acabar com o feitiço? Há que recorrer à magia, há que recorrer a um mago. O mago é chamado guru, mestre ou professor. Guru é a pessoa que remove a escuridão A sílaba “gu” representa a escuridão e a sílaba “ru” representa o removedor. Qual é o feitiço? É a ignorância. Qual é o antídoto? É a poção mágica chamada conhecimento que desenfeitiça a pessoa, que a faz sair da falsa fantasia. Qual é a falsa fantasia? É a pessoa acreditar que é somente o corpo-mente e que não existe uma dimensão mais profunda em si. Sem receber a poção mágica do conhecimento, ninguém conseguirá por si mesmo livrar-se do feitiço, porque o feitiço é a própria vida que é tida como real na qual a pessoa vive.
Fica claro, agora, que esta última relação é muito, muito importante. Todas as relações são importantes, mas três são as que se destacam: a relação com a mãe, com o pai e com o mestre. A relação com o mestre é a mais peculiar destas três, porque, apesar de, geralmente, não ser uma relação familiar ou de sangue, encontramos no mestre uma figura tanto paternal e maternal. O mestre é simultaneamente o pai e a mãe espiritual, e o aluno é o bebé espiritual.
Esta não é uma relação de troca, simplesmente porque o mestre não recebe nada. Quem recebe é somente o aluno. Recebe o conhecimento de si mesmo, que é a poção mágica que o desenfeitiça.Esta relação é destinada a isso mesmo e a nada mais – remover a ignorância que o bebé espiritual tem para que fique livre do saṁsāra, para que fique livre do sofrimento que é a constante insuficiência sentida durante a vida. Se a mãe e o pai trazem a criança ao mundo, ao saṁsāra, é o guru e mais ninguém que a retira do saṁsāra, e, por vezes, retirando também o seu pai e a sua mãe.
Imaginem alguém que caiu em areias movediças. Quando mais essa pessoa se mexe, mais ela se afunda. Sozinha não conseguirá sair e morrerá a tentar. É uma aflição, é um sofrimento O saṁsāra é isto mesmo!As pessoas estão nas areias movediças da vida, sofrendo da insuficiência, do vazio, do senso de inadequação, causados pela ignorância, esperando em vão, que, sozinhas e através da ação, consigam se soltar e ficar livres.
Mas isso nunca chega a acontecer. Quanto mais agem, mais se fundam nas areias movediças da vida. Repare no seguinte, que é muito importante: os que pensam que casar é a solução, geralmente desiludem-se e acabam divorciados, porque casar vai com certeza revelar o senso de insuficiência enquanto marido ou mulher; os que pensam que ter filhos é a solução, esses certamente se desiludem e muito rapidamente entenderão a quantidade de insuficiência e inadequação que está centrada em ser pai e mãe e toda a culpa inerente à parentalidade; os que pensam que a profissão é a solução, na aposentadoria claramente entenderão que não é. Quanto mais agem, mais se afundam. Merece ser contemplado este facto.
Como sair das areias movediças? Primeiro é necessário compreender que sozinho não será possível. Depois, é necessário pedir ajuda, é necessário gritar bem alto para que alguém ouça e venha ajudar. Depois, é necessário confiar que essa pessoa que vem ajudar e que está livre das areias movediças nos consiga ajudar. Finalmente, é necessário colaborar com a ajuda que nos está a ser dada.
Que troca existe entre a pessoa que salva outra das areias movediças?Nenhuma. Uma salva a vida à outra e a outra ficará eternamente agradecida por ter sido tirada de lá. O guru é a pessoa que está na terra firme do conhecimento, livre, e que possui a capacidade e as ferramentas necessárias para ajudar outra a sair das areias movediças do saṁsāra. Para isso a pessoa tem que pedir ajuda, tem que pedir para ser ensinada. Este pedido resulta da compreensão de que sozinha não consegue resolver o problema. Então, tem que haver total confiança no guru, assim como tem que haver total confiança da pessoa que está a afundar-se em areias movediças na pessoa que a irá tirar de lá. Enquanto isto não for percebido, não há verdadeiramente uma relação entre o aluno e o mestre.
Saṁbandha significa relação. Neste caso a relação é algo que prende duas pessoas, o guru, mestre, e o śiṣya, aluno, a um propósito – a remoção do feitiço chamado ignorância. Este propósito maior, a liberdade, é o que junta ambos. Podemos dizer que é uma conspiração cósmica porque é um evento único e muito especial.
Śiṣya é uma palavra muito significativa, pois significa śikṣaṇīyaḥ, aquele que é para ser ensinado, aquele que merece ser ensinado. Isso significa que o aluno deverá reunir ou fazer por reunir tudo aquilo que o ajudará a colaborar com o trabalho do professor. O trabalho do professor é ensinar e transmitir o conhecimento para a mente do aluno. Então, torna-se óbvio que a colaboração do aluno é em desenvolver as qualidades mentais necessárias para poder aprender o melhor possível. Aqui não estamos somente a falar de qualidades cognitivas, como a atenção e o raciocínio. Estamos também a falar de inteligência emocional, a capacidade de lidar saudavelmente com as emoções. Tudo isso é esperado do aluno, tudo isso é a sua colaboração com o professor e com o ensinamento. Quanto melhor for o crescimento em termos de maturidade, melhor é a colaboração do aluno.
Como invocar o professor na pessoa que desempenha o papel de professor?O segredo é a humildade e a prontidão para a aprender e ajudar no que for preciso. A humildade do aluno invoca o professor. Se o aluno tem o ego grande e pretende enganar o professor fazendo de conta que já sabe, ou que sabe muito, o professor não ensina, porque é inútil ensinar quem já sabe, e mais inútil ainda é ensinar o ego que acha que já sabe. É fácil acordar quem dorme. Contudo, é impossível acordar quem está acordado ou quem finge que dorme. Quem está acordado não precisa que o acordem porque está acordado.
Quem finge que dorme não vai acordar, porque está a fingir. Similarmente, o aluno que acha que já sabe e vaidosamente o mostra, nunca despertará do sono da ignorância. A honestidade é um dos valores de qualquer relação. Não há vergonha nenhuma em não saber. Porém, há muita vergonha em revelar que fingiu que sabia, quando na realidade não sabia. Ser honesto é um requisito fundamental na relação professor-aluno. Se não houver honestidade, não há relação possível.
O professor é também invocado pelo respeito adequado, seguindo um determinado protocolo. O professor é amigável, mas isso não significa que seja amigo. Por isso, é bom ter sempre em mente que o professor é o professor e não o amigo de infância ou adolescência com quem se vai almoçar. O respeito protege o aluno, porque respeitando o professor, o próprio aluno é respeitado.
A honestidade, o respeito e a humildade e outras virtudes formam a estrutura que permite que o amor se manifeste. O aluno sentirá amor pelo professor e vice-versa. É este amor que torna a relação única. É um amor livre porque o propósito é a própria liberdade, na qual o aluno descobre que, essencialmente ele não é diferente do guru.Paulo Abreu Vieira
Janeiro 2022 -
Amor ao Próximo
O Natal está mesmo a chegar e com ele chega também o novo ano de 2022. Para quase todos nós esta é uma altura de muita reunião familiar e também de muita reflexão porque mais um importante ciclo está prestes a terminar.
Nesta altura temos a oportunidade e também o oportuno pretexto para dar o amor e o carinho que sentimos às pessoas que nos são especialmente queridas. Muitos fazem-nos com mensagens e telefonemas desejando o melhor, desejando muito amor, paz e abundância. Outros, podendo, viajam para se encontrarem “em carne e osso” com os seus familiares, comprando-lhes prendas e presenteando-os com as comidas e as bebidas típicas desta época, que compraram especialmente para o efeito, para que nada falte na consoada e no dia de Natal.
Os que não podem viajar para estarem juntos presencialmente, seja por questões profissionais, económicas ou familiares, têm a oportunidade de fazer uma consoada virtual por Zoom, Skype, Whatsapp, que, não sendo o melhor, é o segundo melhor, sem dúvida bem melhor do que nada! Outros ainda, devido às angularidades austeras e implacáveis da vida, passam esta época mais sós, lembrando com muita saudade os que já partiram, desejando muito a sua presença e carregando no peito a dura dor da sua ausência. Cada um vive o Natal e a vinda do ano novo à sua maneira, de acordo com a sua educação, valores, e condição atual. Contudo, podemos dizer que a busca por dar e receber amor é transversal, é geral, é universal.
Quando penso no Natal, invariavelmente penso no grande Mestre Jesus e em tudo o que ele representa e lembro um dos seus maiores ensinamentos, senão mesmo o maior – o do Amor ao próximo.
Geralmente dirigimos o nosso amor aos que são significativos para nós. Somente as pessoas queridas, íntimas, significativas, que geralmente são familiares e amigos recebem o nosso amor. Se assim é, então este amor é limitado, é limitado na sua expressão – é um amor pequeno que ainda precisa de crescer.
Este amor cresce quando nos damos conta de que somos uma só Humanidade. Este amor cresce quando nos damos conta de que somos uma só Vida. Este amor cresce quando nos damos conta de que somos uma só Terra. Este amor cresce quando nos damos conta de que somos um só Universo.
Este amor cresce quando nos damos conta de que somos um só Ser. Este amor cresce quando nos damos conta de que somos todos Um. O entendimento deste ensinamento – Somos todos Um – é a base para a expressão do amor incondicional, chamado dayā, compaixão, que é o que Jesus realmente quer dizer com “Amor ao próximo”. O nosso querido mestre Swami Dayānanda disse uma vez numa das suas aulas: a expressão dinâmica do Ser, é a compaixão, é o amor.
A questão agora é a seguinte: se a expressão dinâmica do Ser é o amor, a compaixão, então porque é que todas as pessoas não vivem expressando amor, compaixão?
Esta pergunta é muito importante e a resposta ainda mais. A realidade é que todos conseguimos expressar amor. Isso é facilmente apreciado na forma amorosa em que qualquer ser humano, em situações normais, trata um bebé, ou até um animal. Os animais e os bebés invocam em nós a pessoa amorosa, a pessoa compassiva.
Na presença deles o amor naturalmente surge. Surge porque eles não invocam resistência em nós. Surge porque podemos ser quem realmente somos sem o medo de sermos julgados. Então, preste atenção, o medo de sermos julgados e a nossa resistência interna ao momento presente, ao que estamos a experienciar a dada altura, são bloqueadores do amor.
E mais, quando cuidamos de um animal de estimação descobrimos em nós uma grandeza, a grandeza de contribuir, de contribuir para o bem de alguém diferente de mim. A descoberta desta grandeza é a porta de entrada para o entendimento de um ensinamento profundo – o amor e cuidado que damos aos demais é imensamente curativo, é extremamente sanador do ponto de vista emocional. Porquê? Porque esta grandeza, a capacidade de dar amor ao próximo, tem o potencial de se transformar em profunda gratidão, a gratidão que vem do reconhecimento de ser privilegiado por estar numa posição de conseguir dar amor e cuidado. Isto o dinheiro jamais comprará.
A única moeda de troca para a gratidão é o amor. Somos gratos a quem nos faz bem, a quem nos ama. Se faço bem a mim, sinto-me grato. Se me fazem bem, sinto gratidão por quem me faz bem. A regra é simples: quando mais amor der, mais gratidão sentirá. A gratidão é a bênção que Īśvara nos dá de presente por darmos amor, por termos compaixão.
O segredo para o amor incondicional é conseguir expandir o senso de eu o mais que puder. Expanda-o para o Universo Inteiro e verá o acontece, ficará surpreso com o que acontece. Sentirá amor pela terra húmida. Sentirá amor pela água. Sentirá amor pelo ar que respira. Sentirá amor pelo Sol, pela Lua e pelas estrelas. Sentirá amor pelas formigas, mesmo que elas decidam que o pote de mel e o pacote de bolachas são delas e não seus. Sentirá amor por todas as criaturas. Sentirá amor por tudo e sentir-se-á infinitamente grato por poder sentir amor de forma não limitada.
Talvez o Natal seja renascer nessa pessoa em quem o amor incondicional se manifeste sem resistência. Talvez o Natal seja renascer nessa pessoa em quem a compaixão brota como a água duma nascente. Talvez o Natal seja a descoberta de que essa pessoa chamada Jesus, nosso Mestre, já existe dentro de si.
Paulo Abreu Vieira
Dezembro 2021