आयुर्वेद – 3 mitos do āyurveda
É normal que informações acerca de uma ciência milenar que teve origem numa terra longínqua sejam simplificadas, alteradas e tiradas fora de contexto e que, com o passar do tempo, parece que se tornam realidade. Hoje vamos ver 3 mitos do āyurveda
āyurveda é vegetariano
āyurveda diz que não existe qualquer substância que não possa ser usada como “medicamento”. Estas substâncias podem ser de origem vegetal, animal, mineral, etc.
Falando de alimentação, o caraka samhita fala quais os produtos animais que são próprios para consumo humano, quais as suas propriedades e efeitos no corpo e efeitos terapêuticos. Define também 2 categorias de dieta, saudável e prejudicial. Na categoria de saudável ele descreve diferentes substâncias, inclusive quais os produtos de origem animal mais saudáveis.
Aqui vou usar traduções comuns, podem não ser exactamente correctas. Antílope, codorniz, iguana e carpa são os animais mais saudáveis. São também listadas várias gorduras animais, ghṛta (ghee), banha e gorduras de peixe e aves. Da mesma forma diz que carne de vaca, pomba, sapo, certos tipos de peixe e gorduras animais que são prejudiciais.
Em termos de terapias, para uma pessoa que precise de nutrição em casos de emaciação, o caraka diz que carne é a melhor comida, sopa de carne, galinha são mencionados como comidas revigorantes. Até o sémen de crocodilo é listado como o melhor afrodisíaco.
Para os mais aficionados as referências são do c.s. su. 25 e 27
Portanto a presença de produtos animais está em todos os textos não só como forma de terapia mas também como alimentação. Isto não quer dizer que o āyurveda não pode ser utilizado de forma vegetariana ou vegana porque efectivamante pode. Uma vez que os princípios sejam entendidos, os mesmos podem ser aplicados da mesma forma com as devidas substituições.
O que não deve acontecer é haver substituições como por exemplo “ghee vegano” etc, o ghṛta descrito nos textos tem uma série de propriedades que dependem da matéria prima original e do seu processamento. Se já existem riscos em comparar a eficácia do ghṛta de antigamente com o dos dias de hoje, devido à qualidade da alimentação da vaca, qualidade do leite etc, muito menos se pode comparar com uma substância que, ainda que assemelhe com ghṛta, não o é.
āyurveda não tem efeitos secundários
A palavra dravya pode ser traduzida como substância. De forma geral, para o āyurveda dravya é aquilo que tem guṇa (qualidade) e karma (acção). Neste contexto vamos usar a palavra dravya como alimento e
De forma mais específica, na farmacologia ayurvédica existem 5 classificações para substâncias: rasa, guṇa, virya, vipaka e prabhava. Cada uma destas classificações têm diferente efeitos nos doṣas e no corpo.
rasa:
o sabor perceptível quando uma substância toca na língua. O āyurveda reconhece 6 sabores, doce, azedo, salgado, amargo, picante e adstringente.
guṇa:
são as qualidades de uma substância. Por exemplo, pode ser pesada ou leve, seca ou oleosa, quente ou fria.
vīrya:
significa energia ou potência. Pode ser interpretado como a força por detrás da substância. Diferentes autores têm diferentes opiniões mas normalmente diz-se que as vīryas principais são quente e frio.
vipaka:
se rasa é o sabor perceptível quando uma substância toca na língua, vipaka é o sabor no fim da digestão, sabor pós digestivo. Pode ser de 3 tipos: doce, azedo ou picante
prabhava:
o poder especial que uma substância pode ter para além da expectativa inicial. Por exemplo 2 substâncias com rasa/vipaka katu e vīrya quente deviam causar purgação mas uma delas não causa. Esta diferença deve ser considerada prabhava.
Então se toda e qualquer substância afecta os doṣas e o corpo de maneiras diferentes é fácil concluir que o uso de uma substância medicinal ou alimento de forma inapropriada em termos de quantidade, situação pode com certeza levar a efeitos secundários. Por isso a automedicação ainda que com produtos naturais não seja recomendada. Os efeitos secundários vão também depender da qualidade do diagnóstico e da quantidade de medicamento recomendados
panchakarma são terapias de spa
Já falamos de um pouco de pañcakarma noutro artigo mas agora vou trazer aqui outra perspectiva
Hoje em dia na internet e nas redes sociais é muito comum ver pañcakarma ser promovido como terapia de desintoxicação com imagens de spa, velas, fios de óleo a escorrer pela testa, flores e incenso… mas na verdade, o processo de pañcakarma, feito de maneira correcta, não é normalmente uma experiência muito prazerosa.
Passei muitos meses num centro de ayurveda tradicional e só o regime alimentar do tratamento era muitas vezes suficiente para levar pacientes ao “desespero”. Além disso, hoje em dia, estimulação é contraindicado portanto o uso de telemóvel, internet e de electrónicos em geral não recomendados durante as diferentes etapas do tratamento o que torna o processo ainda mais difícil para a maioria das pessoas.
A etapa de preparação regra geral passa por procedimentos de oleação (interna e externa) e de sudação. A oleação interna, regra geral, passa por beber ghee medicada em quantidades que aumentam de dia para dia. A tolerância da pessoa para beber “manteiga derretida”, normalmente medicada com ervas amargas durante uma média de 7 dias, vai ditar a qualidade da sua experiência.
As terapias em si, a julgar pelos nomes, vómito terapêutico, purgação terapêutica, enema, aplicação de substâncias medicadas pelo nariz e por último extracção de sangue não soam muito apetecíveis e muitas vezes podem ser desagradáveis.
No pós tratamento, a digestão e o corpo estão fracos e muita atenção é necessária nesta etapa. A reintegração de alimentos é feita de forma integral e todas as regras de alimentação devem ser seguidas. A reintegração ao estilo de vida deve também ser gradual o que se revela complicado stress e na rapidez onde vivemos nos dias de hoje.
Longe de mim estar a dizer que o pañcakarma não resulta, resulta mas na verdade muita gente que o faz não necessita. É um processo duro para o corpo e mente e implica que os doṣas estejam muito agravados.
Por outro lado, existem terapias isoladas de oleação e sudação como o abhyanga, shirodhara, pinda sveda que podem ser utilizados e de facto trazem alívio e bem estar mas não são, só por si, pañcakarma.
Ricardo Barreto
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