• Ādiśaṅkarācārya Jayanti – Nascimento de Ādiśaṅkarācārya

    Hoje, dia 17 de Maio, śuklapakṣe pañcamī tithiḥ, no quinto dia a contar da lua nova do mês Vaiśākha (correspondente a Abril-Maio), celebra-se por toda a Índia o nascimento do grande sábio Ādiśaṅkarācārya, considerado por muitos um avatāra de Śiva Mahādeva.
    Este grande santo nasceu no sul da Índia, no estado de Kerala, em Kalady. Existe incerteza relativamente ao ano do seu nascimento, sendo que alguns referem ter sido por volta do Século Oitavo antes de Cristo. Porém, outros referem que este colossal Mestre nasceu muito mais tarde, já depois do nascimento de Cristo.
    Contudo, nenhuma incerteza existe relativamente ao seu importante contributo para a humanidade, que consiste na sua vasta obra literária e também na edificação de 4 Maṭhas, centros espirituais e escolas tradicionais de Vedānta, estrategicamente dispostos na Índia, a norte, a sul, a este e oeste, que ficaram a cargo dos seus principais discípulos.
    A Este, em Puri, e a cargo de Padmapāda ācārya, ficou o Govardhana Maṭha. A Oeste, no Gujarat, e a cargo de Hāstāmālaka ācārya, ficou Dvāraka Śārada Maṭha. A Norte e a cargo do Toṭaka ācārya ficou o Jyotir Maṭha. Finalmente, a Sul, em Karnataka, o Śringerī Maṭha, a cargo de Sureśvara ācārya.
    Desta forma, tendo edificado estes centros de propagação e ensino de Advaita Vedānta, este nosso grande Mestre assegurou que toda a humanidade pudesse ter acesso a uma tradição viva de ensino, passada de mestre a discípulo, que vem eliminando sem misericórdia o sofrimento da humanidade.
    A grande obra literária deste genial homem é profunda e vasta, sendo constituída pelo famoso Bhāṣya, que é o nome comummente dado ao comentário à Śrīmadbhagavadgītā, ao comentário a 10 Upaniṣads – īśa, Kena, Kaṭha, Praśna, Muṇḍaka Māṇḍūkya, Taittirīya, Aitareya, Chāndogya e Bṛhadāraṇyaka, e ao comentário aos Brahmasūtras.
    Para além do famoso Bhāṣya, Ādiśaṅkarācārya compôs ainda vários tratados de Vedānta, como o Vivekacūḍāmaṇi, Sādhanapañcakam, entre outros, e também muitos Stotrams, hinos de louvor a diversas deidades, e ainda o Vivaraṇa, o comentário ao comentário dos Yogasūtras de Patañjali, escrito por Veda Vyāsa.
    Nas obras de Ādiśaṅkarācārya, mas mais propriamente no seu Bhāṣya, encontramos exposto o método de ensino de Advaita Vedānta, no qual a mensagem das Upaniṣads é revelada e explicada com muita clareza e profundidade, e o qual, qualquer aluno sério de Vedānta, deve decidir estudar com um professor qualificado para o ensinar.

    Hoje é o dia de reverenciarmos este ilustre mestre, e assim partilho um verso tradicionalmente recitado diariamente por muitos Vedāntins –

    सदाशिवसमारम्भां शङ्कराचार्यमध्यमाम् ।
    अस्मदाचार्यपर्यन्तां वन्दे गुरुपरम्पराम् ॥

    sadāśivasamārambhāṁ śaṅkarācāryamadhyamām ।
    asmadācāryaparyantāṁ vande guruparamparāṁ ॥

    Eu saúdo a linhagem de mestres que começa com Sadāśiva (aquele que é sempre auspicioso), que tem no meio Ādiśaṅkarācārya, e que se estende até ao meu professor.

    Aham vande, eu saúdo, guru-paramparāṁ, a linha ininterrupta de Gurus, Mestres, que outrora foram discípulos, e que aprenderam com os seus respetivos mestres que, por sua vez, também foram discípulos. Quando começou esta tradição? Quem é o primeiro Mestre? O primeiro Mestre é Dakṣiṇāmūrti, Śiva na forma do primeiro professor. Este verso diz isso mesmo: sadāśiva-samārambhāṁ; esta tradição de ensino, samārambhā, começa com Sadāśiva, Śiva Mahādeva, e śaṅkara-ācārya-madhyamām, tem no meio o nosso grande Mestre Ādiśaṅkarācārya, sendo que asmad-ācārya-paryantāṁ, se estende, vem até, ao meu querido Mestre.
    A tradição de ensino chamada Sampradāya vive e mantém viva a chama do conhecimento, que está bem acesa naqueles que a aprendem, seguem e propagam, e que, portanto, ilumina a vida daqueles que procuram e ganham o Conhecimento da Verdade e todos os que a procuram.
    A palavra ādi significa o primeiro. A palavra Śaṅkara é muito significativa – śaṁ kalyāṇaṁ karoti iti śaṅkaraḥ, śaṅkara é aquele que faz śam, o bem, aquele que confere kalyāṇaṁ, graça, aquele que confere o auspicioso. A palavra ācārya significa professor, aquele que primeiro aprende, depois ensina e que também segue aquilo que ensina e que aprendeu. Assim sendo, fica claro que Ādiśaṅkarācārya foi um grande mestre, cuja obra deixada, a explicação da mensagem profunda de Vedānta e tão difícil de compreender, confere o maior bem que um ser humano pode obter em vida, chamado Mokṣa, libertação.
    Que possamos todos nós agradecer e humildemente saudar muitas e muitas vezes, não só hoje, mas sempre, e não só este nosso Mestre, mas todos os mestres de Vedānta, que nos ajudam a viver seguindo o Dharma, com mais sabedoria, e sem os quais ātmajñānaprāptiḥ, o ganho do conhecimento do ātman não seria possível. Fica aqui a minha reverência profunda e total gratidão pela oportunidade de ter este grande Mestre na minha vida expressa pelo meu namaskāra.

    ओं श्रीशङ्कराचार्याय नमो नमः । Oṁ śrī-saṅkarācāryāya namo namaḥ ।

    Maia, 17 de Maio de 2021
    Paulo Abreu Vieira

  • O Problema Fundamental Universal

    Os humanos têm algo de muito profundo em comum – todos querem ser felizes. Se analisarmos a nossa vida e a vida das pessoas que nos rodeiam, como por exemplo a das que são mais significativas para nós e que estão mais perto de nós, como os pais, o companheiro ou a companheira, os filhos, etc., certamente repararemos que todos tentamos fugir ou evitar as situações que trazem infelicidade, e também que todos temos uma atração especial por situações que nos trazem felicidade.
    Por mais simples que possa parecer, a vida é essencialmente pautada por estas duas buscas: a primeira está na forma de negação ou evitação de situações que nos fazem infelizes, a segunda é a busca por situações que nos fazem felizes.
    Uma análise mais cuidada a estas duas buscas, que na realidade são uma só – a busca por felicidade – traz-nos à conclusão de que a felicidade é vista por como o produto ou a consequência de uma ação, ou de um dado acontecimento ou evento. Assim sendo, a felicidade torna-se dependente do sucesso dessa ação ou de determinado evento, situação, etc. e então estaremos sempre dependentes de algo para ser felizes, o que é, em si mesmo, um jogo muito arriscado que a maior parte das vezes não ganhamos, simplesmente porque o mundo é instável, sendo, ainda por cima, o seu comportamento imprevisível.
    Se o mundo e as pessoas fossem realmente previsíveis, então poderíamos prever como e quanto seríamos felizes. Porém, esse não é o caso. As situações inesperadas tanto nos atiram para cima, enchendo-nos de exaltação e euforia, como nos atiram para baixo, inundando-nos de tristeza e depressão, fazendo com a vida pareça um autêntico ioiô ou mesmo uma montanha russa.
    Uma verdade acerca da busca por felicidade que precisa de ser conhecida é o senso de completude ou de plenitude que existe num momento de felicidade. Todos já experienciamos essa plenitude ou realização, por outras palavras, todos já nos sentimos completos num ou em vários momentos das nossas vidas. Isso acontece porque a felicidade manifesta-se como a sensação de plenitude, a sensação de que não nos falta nada, de que não carecemos de nada. Porém, essa experiência é passageira, e assim que passa, a pessoa volta ao que era. A pessoa volta a sentir carência, volta a sentir um vazio, volta a sentir que algo não está bem.
    Gostaria agora de olhar para esse vazio ou senso de carência e dizer ao leitor porque é que ele existe. Esse senso de carência, de insuficiência, de vazio, como quiser chamar-lhe, é sempre referente a algo, está sempre relacionado com um dado aspeto ou esfera da vida.
    Muitas pessoas sentem um senso de insuficiência relativamente ao seu corpo. Sentem que não são suficientemente bonitas, bem feitas, fortes, etc. Este é um senso de insuficiência centrado no corpo, que é muito comum. Isso significa que as pessoas não estão em paz, ou que não são felizes com o corpo que têm e que procuram a todo o custo mudá-lo, para que, aos seus olhos, ele se torne suficientemente bom e esteja à altura das expectativas, próprias e sociais.
    Outro senso de insuficiência é centrado na energia e na saúde. Ninguém gosta de se sentir cansado e sem energia, assim como ninguém gosta de se sentir doente. Então, em questões de saúde e de energia, há um senso de insuficiência. É por isso que existem pessoas obsessivas pela saúde e obsessivas por energia. As primeiras vivem obcecadas com todo o tipo de terapias, para que nada “lhes pegue” e as segundas poerão ser viciadas em cafés, substâncias melhoradoras de desempenho, drogas, ou mesmo viciadas em contacto social de onde extraem a sua energia.
    Ao nível emocional também existe um senso de insuficiência, ou de incapacidade, pois as pessoas debatem-se de forma exaustiva com as suas próprias emoções, desejando a todo custo ficar livres das emoções ditas indesejáveis, como a raiva, a tristeza, o medo, etc. Isso significa que a nível emocional as pessoas gostariam de ser diferentes, e que sofrem porque não são diferentes.
    Cognitivamente a insuficiência também é notada e isso é visto com clareza nas escolas e universidades, onde os alunos se debatem entre si numa competição subtil para serem os melhores, lutando diariamente com as suas limitações, no que diz respeito à inteligência, à memória, à forma como estruturam a linguagem, etc. Face a estas limitações existe um senso de insuficiência ou incapacidade que torna as pessoas insatisfeitas e consequentemente infelizes.
    Porque é que este senso de insuficiência, de incapacidade, ou mesmo de vazio existe? Este senso existe porque, para a grande maioria das pessoas, o senso de identidade, o senso de “eu”, reside somente no complexo corpo-energia-mente-personalidade. O pensamento da maioria das pessoas é: “eu sou este complexo corpo-energia-mente-personalidade, portanto sou tão bom ou tão mau quanto for bom ou mau o meu corpo-energia-mente-personalidade”. Se o corpo é feio, a pessoa considera-se feia, e sofre, claro, porque o senso de insuficiência respeitante à beleza existe, e a pessoa não suporta essa insuficiência. Se existe pouca energia, a pessoa rotula-se como cansada, precisamente porque existe um senso de insuficiência respeitante aos níveis de energia ou vitalidade, e a pessoa fica infeliz. Se existem frequentemente emoções indesejáveis, a pessoa considera-se emocionalmente fraca, emocionalmente insuficiente, acabando-se por se sentir ainda mais triste. Se a pessoa não tem um bom desempenho a nível intelectual, então poderá ser rotulada como pouco inteligente e, assumindo para si esse rótulo, sofre por se ver como insuficiente no que diz respeito à sua inteligência ou às suas faculdades cognitivas.
    Um facto importante que tem que saber acerca do complexo corpo-energia-mente-personalidade é que ele será sempre limitado. Por isso, por mais que o tente mudar, por mais que o tente melhorar, ele será sempre limitado. Porém, algo profundamente libertador existe na apreciação de que o limitado complexo corpo-energia-mente-personalidade não é tudo acerca de mim. Existe uma presença testemunha consciente de todos os fenómenos corpóreos, energéticos, mentais e cognitivos. Essa presença tem que ser apreciada e entendida como mais profunda do que o superficial complexo corpo-energia-mente-personalidade. Há que descobrir que essa presença não carece de nada, sendo a testemunha, sendo consciente de todas as carências. Enquanto a natureza desta consciência não for conhecida como o eu verdadeiro, a pessoa continuará a viver com o senso de “eu” centrado no complexo corpo-energia-mente-personalidade, portanto continuará a viver centrada nas limitações do corpo, etc. Então, é o desconhecimento do verdadeiro “eu” que constitui o problema fundamental do ser humano. Desconhecendo quem realmente são, portanto, desconhecendo que na realidade são a consciência testemunha dos pensamentos, emoções, memórias, sensações, etc., e mais importantemente, desconhecendo a natureza dessa consciência, cometem o erro fundamental e universal, que é concluírem que apenas são o limitado complexo corpo-energia-mente-personalidade. Assim sendo, atribuem ao “eu” verdadeiro, consciência, todos os atributos e características do corpo, sofrendo por causa disso. Este problema é fundamental pois diz respeito à pessoa fundamental, o “eu verdadeiro”, a consciência. E este problema é universal porque em todos os lugares as pessoas nascem com este desconhecimento ou ignorância acerca da verdade de si mesmas.
    Se o problema é a ignorância, a solução terá forçosamente de ser o conhecimento. Neste caso concreto, como a ignorância é sobre quem eu fundamentalmente sou, portanto, é acerca da pessoa fundamental, o conhecimento terá que ser o da pessoa fundamental, chamado ātmajñānam, o conhecimento do Eu. Assim sendo, a solução também é universal, pois a única solução para a ignorância é o conhecimento; este facto é universal.

    Paulo Vieira, 2021

  • O Segredo Por Detrás Das Boas Decisões

    Viver implica escolher, simplesmente porque a vida é feita de escolhas sucessivas. A cada momento é esperado de mim uma escolha, uma decisão, que afetará inevitavelmente o meu futuro, para melhor ou para pior. O que nos une em todas as decisões que tomamos é o desejo por uma vida melhor, mais sábia, mais rica e mais realizada. Contudo, se olharmos para a vida de outras pessoas, ou mesmo para as nossas próprias vidas, reparamos que as nossas escolhas ou decisões nem sempre nos colocaram na melhor posição, ou na posição que realmente desejamos, e muitas vezes damos por nós arrependidos ou culpados, e consequentemente revoltados ou simplesmente tristes e desapontados porque tomamos uma má decisão.
    Para algumas pessoas as más escolhas ou decisões são de tal forma abundantes que a vida delas é um autêntico drama repleto de sofrimento e arrependimento. Tais pessoas vêem-se constantemente presas num ciclo destrutivo, numa espiral descendente de más decisões que levam a mais más decisões, e que consequentemente as colocam em posições extremamente indesejáveis e muito perigosas. São exemplos assim as pessoas dadas ao crime.
    Para outras pessoas parece haver uma predominância de boas escolhas, que levam a mais boas escolhas, permitindo-lhes disfrutar plenamente da vida em todas as suas áreas e usufruir do melhor que a vida tem para oferecer.
    Porque é que algumas pessoas decidem mal e outras pessoas decidem bem? Existe algum fator que leve uns a decidir mal e outros a decidir bem?
    Somos dotados da capacidade de sentir emoções, o que faz de nós seres emocionais, porém somos também dotados da capacidade de pensar racionalmente, por isso também somos seres racionais. Por vezes, direi mesmo muitas vezes, existe um conflito interno no momento de decidirmos. Como? Racionalmente sabemos o que é melhor para nós, porque muitas vezes isso é simplesmente óbvio e muito claro, contudo, emocionalmente somos empurrados para uma decisão contrária. Darei um exemplo que ilustra bem esta situação. O almoço está simplesmente uma delícia e você come com muito prazer. A certa altura, termina o que está no prato e sente-se plenamente satisfeito, o que indica que já não é necessário alimentar mais o corpo, pois o corpo já deu sinais de que a quantidade de comida foi suficiente. Porém, como a comida está tão deliciosa, o desejo por comer mais empurra-o para encher de novo o seu prato e repetir a dose. No final da refeição, em vez de se sentir satisfeito, você sente-se empanturrado, ligeiramente indisposto e também culpado ou arrependido. Situações como esta são muito comuns; sabemos aquilo que é certo e acabamos por fazer aquilo que é errado. Se você continuar a cometer o mesmo erro, portanto, se persistir em comer demasiado em todas as refeições, ganhará peso e provavelmente problemas de saúde relacionados com o aumento de peso, e isso você realmente não deseja.
    Neste caso é o seu desejo ou amor à comida que se sobrepõe ao seu pensamento racional, e na linguagem técnica de Vedānta dizemos que foi uma decisão baseada em rāga, o desejo intenso de obter algo de que gostamos muito, e que causa algum tipo de sofrimento se não for realizado.
    Por vezes a decisão não é motivada por rāga, mas sim por uma aversão. A palavra Sânscrita para aversão é dveṣa. A aversão é um desejo intenso de afastar ou de fugir de algo de que não gostamos, de algo que odiamos. E assim como um rāga, o desejo intenso de possuir algo, turva a racionalidade da mente, empurrando a pessoa para uma decisão que no fundo a pessoa não quer, também um dveṣa turva a mente. Como? Darei mais um exemplo. Suponha que é o aniversário de um familiar seu de quem você gosta muito. Haverá uma festa de aniversário para a qual foi convidado e quer muito ir, não apenas para felicitar o aniversariante, mas também porque irá encontrar lá pessoas queridas com as quais não tem um contacto regular, e assim poderá por a conversa em dia confraternizando com elas. Uns dias depois em conversa com outro familiar, você descobre que também vai a esse mesmo aniversário uma pessoa que você não tolera, porque a considera muito arrogante e de conduta imprópria, e que já foi indelicada consigo em aniversários anteriores várias vezes, simplesmente porque você é vegetariano e espiritual. Você reconhece que tem um dveṣa muito forte por esta pessoa, porque você se sente muito desconfortável na presença dela e tem emoções desagradáveis quando a vê, como ansiedade e irritação, que depois se convertem em tristeza quando você se encontra de novo sozinho depois do encontro. Faltam dois dias para o aniversário e você ainda não deu a resposta afirmativa ao convite porque está num dilema – ir, ou não ir. O lado racional apresenta-lhe a escolha certa: “é tão apropriado festejar o aniversário, rever antigos amigos, conviver e ser feliz com eles; eu também adoraria a presença dos meus familiares e amigos no meu aniversário”, porém o lado emocional conta outra história: “aquele fulano que eu detesto vai estar lá e tenho a certeza que se vai dirigir a mim propositadamente para me arreliar e envergonhar à frente de todas as pessoas, só porque sou vegetariano e espiritual; e eu sei que não vou conseguir agir calmamente impondo limites ao seu comportamento impróprio que já é habitual, e também sei que ficarei deprimido quando chegar a casa após rever meticulosamente na minha mente todos os detalhes da situação deplorável por que passei causa por aquela má pessoa; por isso “penso” que o melhor é não ir; direi que estou indisposto e que não poderei ir”.
    Este é um dilema muito comum, cuja análise torna claro que a oportunidade de seguir o svadharma, o dever próprio, ou seja, fazer aquilo que deve ser feito, se pode perder quando a mente fica turva pelos dveṣas. Portanto, rāgas, desejos intensos, e dveṣas, aversões intensas, são um dos fatores que nos levam a tomar más decisões, aos quais temos que estar atentos, e para os quais o antídoto é Karmayoga, que foi o tópico do artigo anterior da Mukti.
    Outro dos fatores para as más decisões é a falta de informação ou informação errada. Para tomarmos uma boa decisão é importante estarmos bem informados sobre as opções que temos, por isso informe-se devidamente antes de tomar uma decisão ou fazer uma escolha. Normalmente a falta de informação na tomada de uma decisão é devido à impulsividade, que é o impulso brusco e quase inevitável de tomar a decisão naquele preciso momento sem poder esperar e decidir mais tarde. Se tiver a opção de poder decidir mais tarde, sem que isso reduza significativamente as suas opções, então decida mais tarde, pois terá mais tempo para se informar.
    Informe-se sempre com quem é da sua confiança, com quem sabe do assunto relacionado com a decisão, e, muito importante também, que seja uma pessoa neutra relativamente à decisão e ao resultado da decisão. A neutralidade do seu informador perante a sua decisão é importante, pois assim terá a certeza que os conselhos ou sugestões que lhe dará não serão motivados por um interesse pessoal que o seu informador poderá manter escondido de si, para tirar proveito próprio através da sua decisão.
    Agora falar-lhe-ei um pouco de Viveka, um fator ou capacidade imprescindível para tomar boas decisões. Viveka é comumente traduzido como discernimento ou como discriminação. A palavra “viveka”[1] é composta pelo prefixo “vi”, pela raiz verbal “vic” (vicir), e pelo sufixo “ghañ”. O prefixo “vi” significa viśeṣeṇa, de forma especial ou abundante. A raiz verbal tem o significado de distinção, dividir, separar. O sufixo “ghañ”, confere o mero significado da ação indicada pela raiz. Esta foi a vyutpatti, a etimologia da palavra.
    Agora, para entendermos mais sobre viveka, gostaria de partilhar com o leitor duas definições gerais da palavra em Sânscrito:
    1 – परस्परव्यावृत्त्या वस्तुस्वरूपनिश्चयः इति विवेकः, viveka é vastu-svarūpa-niścayaḥ, a determinação acerca da verdade de um objeto, paraspara-vyāvṛttyā, através de separar um do outro.
    Quando você faz um puzzle, você aplica este método, separando as peças pelas cores e pelos formatos.

    2 – याथार्थ्येन वस्तुस्वरूपावधारणम् इति विवेकः, viveka é vastu-svarūpa-avadhāraṇam, a determinação da natureza ou verdade de um objeto, yāthārthyena, assim como realmente ele é.
    Neste momento estamos a ter viveka sobre a palavra viveka, pois estamos a descobrir o que realmente significa viveka.

    Ambas as definições são muito reveladoras. Através da primeira entendemos que viveka é o processo pelo qual podemos separar ou distinguir duas coisas quando estas estão misturadas. A segunda indica o conhecimento conclusivo acerca da natureza real de um dado objeto. Se juntarmos estas duas belas definições vemos que viveka é o processo de distinção ou separação de duas coisas quando estas se encontram separadas e é também o resultado na forma do conhecimento conclusivo acerca de ambas as coisas que foram separadas.
    Este discernimento de que se fala aqui é a capacidade que você e todas as pessoas já têm e que precisa de ser treinada e devidamente desenvolvida para poder ajudar na tomada de boas decisões. Para isso, aprenda a separar a sua mente racional da mente emocional. Analise se está a pensar corretamente e verifique se as suas emoções estão a turvar o seu discernimento. Identifique essas emoções e diga a si mesmo que as emoções são válidas e fazem parte da sua mente emocional, e que você não está mais disposto a tomar decisões baseadas nos seu rāgas e dveṣas. Depois, aprenda a valorizar o pensamento correto, claro, objetivo e que é permeado pelo dharma.
    Gostaria também de lhe dizer que uma das formas de aumentarmos o nosso poder de discriminação é a prece. A prece é um pedido a Īśvara por algo que queremos ver realizado. Peça a Īśvara pare ter mais Viveka e para que as suas escolhas sejam sempre um reflexo desse precioso discernimento.

    Existem situações em que a escolha não é entre algo apropriado ou inapropriado, ou seja, não é entre o dharma e o adharma, nem tão pouco é influenciada por emoções que turvam a capacidade de decidir. Essas são situações em que a escolha ou decisão é entre algo que será melhor ou pior para si, mas que você no momento da decisão desconhece o resultado. Nesse caso, aprenda a centrar-se e a seguir a sua voz interior. Por detrás da mente racional esconde-se, por vezes, um saber intuitivo sobre a melhor decisão a tomar. Esta capacidade de tomar decisões com base na intuição, ou no instinto, apesar de ser arriscada, é seguida por muitas pessoas de forma não deliberada, como por exemplo, por homens de negócios, que confiam no seu “instinto” de negociador.

    Estas foram algumas dicas para obtermos mais viveka no nosso dia a dia para assuntos práticos. Gostaria ainda de mencionar que Viveka é uma das qualificações que qualquer aluno de Vedānta precisa de desenvolver para ter sucesso no estudo, que passa por puruṣartha-niścaya, pelo discernimento do verdadeiro objetivo da vida, chamado mokṣa. Num artigo futuro falarei sobre Viveka no contexto de Vedānta, mas faço aqui convite a ler o meu livro Tattvabodha onde abordo o tema com algum detalhe.
    [1] विवेकः → वि + 7U√विच् (विचिर्, पृथग्भावे) + घञ्

    Paulo Vieira

  • “Karmayoga Numa Casca de Noz”

    No longo, sinuoso e árduo percurso do autoconhecimento a dada altura as pessoas deparam-se com a palavra “Karmayoga”, uma palavra sânscrita cujo significado agora mesmo iremos ver.
    A palavra “karma”[1] deriva da raiz verbal “kṛ”, que significa fazer, realizar, à qual é adicionado o sufixo “manin” que vem no sentido de “ação” ou “objeto da ação”; assim sendo, a palavra “karma” poderá significar a ação propriamente dita, ou então o objeto da ação. Na frase – “você lê este artigo”, karma poderá ser a ação “ler” ou poderá ser o “artigo”. A palavra “Yoga”, mundialmente conhecida e tão apropriada por tantos, vem da raiz verbal “yuj”, que significa unir, conectar, juntar, focar, concentrar, e à qual é adicionado o sufixo “ghañ”, que geralmente incute o sentido da mera ação. Assim sendo, a palavra Yoga poderá significar união, concentração, foco, etc. e, secundariamente, também significa o meio, a disciplina ou o método para chegar à referida conexão ou união. Este uso secundário do significado das palavras é muito comum no nosso dia a dia. Darei um exemplo no qual o filho se dirige à mãe dizendo – “Mãe, vou para o futebol”. O menino não vai para o futebol, pois o futebol é o desporto em si. O menino vai para o treino de futebol, porém usa somente a palavra “futebol”, estando implícito que vai para o treino. Tal e qual como no exemplo mencionado, também a palavra “yoga” é usada com o seu significado secundário ou implícito. Então, neste caso Yoga significa o método, a disciplina, o meio.


    Qual será o significado de karma na palavra “Karmayoga”?
    Karma aqui significa ação. Então, o significado de Karmayoga é a disciplina da ação – a ação é usada como uma disciplina, como um meio para obter um determinado fim. “Professor, mas qualquer ação é para obter um determinado resultado ou fim, poderia ser mais claro?” Sim, claro. Sendo óbvio que toda a ação é feita com um determinado objetivo, caso contrário ninguém agiria, a palavra “Yoga” traz uma dimensão diferente e mais profunda à ação. O objetivo de ter uma disciplina da ação é desenvolver uma atitude perante a ação. Esta é uma atitude muito peculiar que, podemos dizer, marca o início da vida espiritual – é a atitude de querer crescer emocionalmente, de querer ser uma pessoa madura e conectada com o Todo, com o Absoluto, precisamente através da ação.
    Qual a ligação entre a ação, a atitude e o Todo? Śrīkṛṣṇa na Bhagavadgītā explica de forma brilhante esta relação –
    यतः प्रवृत्तिर्भूतानां येन सर्वमिदं ततम् ।स्वकर्मणा तमभ्यर्च्य सिद्धिं विन्दति मानवः ।। १८.४६ ।।yataḥ pravṛttirbhūtānāṁ yena sarvamidaṁ tatam |svakarmaṇā tamabhyarcya siddhiṁ vindati mānavaḥ || 18.46 ||
    V.18.46 – Tendo reverenciado com as suas próprias ações (deveres) esse (Īśvara), de quem a criação dos seres (vem) e por quem tudo isto (o universo inteiro) é permeado, a pessoa obtém sucesso (preparação da mente, elegibilidade para o estudo de Vedānta).
    Este é um verso maravilhoso no qual Īśvara, o Todo, é apresentado como a causa de tudo, sendo também imanente a tudo o que vemos. Īśvara é a grande ordem universal, composta por todas as leis, conhecidas e desconhecidas, que tornam este universo tal e qual como ele é, tornando-o possível de ser estudado. Esta grande ordem universal é composta por subordens, como por exemplo a ordem biológica, que rege todos os fenómenos biológicos e que é objeto de estudo dos biólogos. Temos a ordem fisiológica, a meteorológica, a psicológica, oftalmológica, etc. Todas as “lógicas” estudam a sua respetiva ordem. A Psicologia estuda a ordem psicológica, que rege toda a psique. A Biologia estuda a ordem biológica e assim por diante. Veja, somente porque existe uma ordem psicológica é que é possível a existência da Psicologia e de psicólogos, que se dedicam precisamente ao estudo dos fenómenos psicológicos e à forma de como estes se relacionam entre si, resultando em muitas teorias comportamentais, pelas quais é possível prever o comportamento de um ser humano numa dada situação. Se um ser humano for abusado violentamente em criança, é previsível que virá a desenvolver algum tipo de trauma. Um psicólogo encontrará a relação entre o estado psicológico atual do cliente e o abuso sofrido no passado. Esta relação só é possível porque há uma ordem psicológica. A palavra ordem remove definitivamente o conceito errado de que o universo é um mero caos que se vai manifestando ao acaso. O Universo não é um caos. O universo é regido por leis que não foram criadas por humanos, pois já ca estavam muito antes de nós, e irão certamente continuar depois de nós. Os cientistas, todos eles, estudam estas leis, equacionando-as e cristalizando-as em teorias, teoremas, fórmulas matemáticas, fórmulas químicas, físicas, etc., para que possamos todos compreender melhor como funciona este mundo, está orgânica e inteligente máquina cósmica. O computador, telefone ou tablet no qual está a ler este artigo é a prova material de todo esse estudo já equacionado, já cristalizado e posto ao serviço da humanidade. Pare um pouco e aprecie agora todo o estudo, toda a descoberta e cristalização deste conhecimento universal que está presente na forma de leis descobertas pela humanidade. A humanidade está a cada momento a descobrir as maravilhas deste Ser Universal chamado Īśvara, o Todo ou o Absoluto.

    Momento a momento Īśvara revela-se
    Sendo Īśvara o conjunto de todas as leis que formam todas as subordens pertencentes a uma Grande Ordem Universal, Īśvara é todo o conhecimento, sendo a fonte, a origem de todo o conhecimento. Não só Īśvara é todo o conhecimento, Īśvara é também todo o material de que este mundo é feito. Este Universo físico que experienciamos é o corpo físico de Īśvara. Então, tudo o que está a acontecer neste momento, em qualquer parte do Universo, é Īśvara a revelar-se, é Īśvara a expressar-se; é a dança Śiva, quando Śiva é chamado de Naṭarāja, o Rei dos dançarinos, sendo o Cosmos a sua dança. Quando apreciamos que tudo é Īśvara, que todas as situações de vida que presenciamos, desde a simples ida ao supermercado, ao apreciar romântico de um bonito pôr-do-sol, são Īśvara, a nossa atitude perante o Universo muda, pois existe a visão de que o Universo é o corpo desse Ser Absoluto.

    Īśvara é a Harmonia Universal
    Ao analisarmos o Universo reparamos que ele tende para um equilíbrio, que ele está num estado de equilíbrio dinâmico, existe uma força para a harmonia. É assim externamente e internamente também. Cada um de nós procura trazer mais harmonia para a sua vida, obviamente de acordo com o conceito individual de harmonia que certamente cada um tem. Este senso ou estado de harmonia está intimamente ligado com o revelar-se de Īśvara. Quando eu sinto que estou no lugar certo à hora certa na presença das pessoas certas, eu sinto harmonia. Eu estou em harmonia quando faço aquilo que é esperado de mim. A cada nova situação de vida, algo é esperado de mim, que ou o ator, aquele que deverá cumprir o seu papel respeitando o guião. Uma mãe fica em harmonia quando desenrola o seu papel de mãe. Um pai também. O filho também. Cada papel que surge na vida a dada situação – e temos muitos papeis – invoca uma dada atitude e um dado comportamento, que deverá estar alinhado pela Ordem Universal chamada de Dharma. Quando o alinhamento entre o que é esperado de mim e o que eu acabo por fazer se dá, então há harmonia, então eu estou alinhado com o Dharma. Muitas vezes aquilo que a pessoa quer ou gostaria de fazer não está de acordo com o Dharma, simplesmente porque o prazer é preferível ao dever para a maior parte das pessoas. Assim é porque as pessoas desconhecem os benefícios do dever. Por dever quero dizer o referido alinhamento com o Dharma, que é essencialmente uma resposta objetiva, ética, e até moral, ao que me é pedido. Se me encontro numa situação privilegiada de poder ajudar outro ser humano, então o dever será prestar ajuda, e isso poderá implicar ter de deixar de fazer o que me dá prazer. Se um familiar ou amigo está no hospital devido a doença, o dever será ir visitar essa pessoa querida, embora apeteça disfrutar de um passeio no parque ou à beira mar. A sensibilidade para interpretar qual o dever a ser realizado a cada situação, chamado de svadharma, (o dever de cada um), e a firmeza para o fazer, é muito importante para o desenvolvimento emocional da pessoa, porque é uma forma muito segura de neutralizar as paixões e aversões, que são causadoras de sofrimento e muitos outros problemas, como por exemplo os crimes passionais violentos, que são devidos a apego ou aversão extremos, imbuídos de uma possessividade estranguladora e ódio doentio, respetivamente. Se a cada situação de vida tivermos em mente a visão de que Īśvara está a revelar-se a cada segundo, de que está a comunicar connosco a cada momento, então oferecer a Īśvara a resposta adequada na forma do próprio dever é mais fácil e também é libertador, trazendo consequentemente paz. Esta oferta do svadharma, do próprio dever, é um dos fundamentos do Karmayoga e chama-se Īśvara-arpaṇa-buddhi; buddhi aqui é atitude; arpaṇa é oferecimento; Īśvara-arpaṇa-buddhi é a atitude de oferecer as suas ações a Īśvara – aquilo que é esperado de mim, isso eu faço, e isso é o oferecimento. Portanto, Karmayoga é o reconhecimento constante de Īśvara em cada situação de vida, em cada pessoa, em cada animal ou planta, acompanhado da resposta adequada e apropriada a cada situação, tendo em vista a maturidade emocional, que se faz invariavelmente necessária para o entendimento da mensagem de Vedānta. Assim sendo, Karmayoga implica que haja uma mudança de foco. O foco deverá passar do resultado da ação para a ação propriamente dita, porque a ação depende de mim, o resultado não. Eu tenho a liberdade de agir, de não agir ou de agir diferentemente daquilo que Īśvara espera de mim, porém, o resultado dessa ação não depende de mim. Eu posso decidir ir de avião para a índia, ou de carro, ou até de trotinete, pois a decisão é tomada por mim. Quanto ao resultado já não tenho escolha. Poderei conseguir ou não conseguir chegar à Índia. O resultado desejado é chegar à Índia, mas se chego ou não, não depende somente de mim. É neste ponto do entendimento que é necessário falar de outra atitude fundamental do karmayoga chamada de Īśvara-prasāda-buddhi; buddhi aqui é atitude; prasāda é aquilo que recebemos de volta dado por Īśvara, no final de uma pūjā, um ritual de oferecimento. Prasāda é também tudo o que vem de Īśvara, e como tudo vem de Īśvara, porque tudo é Īśvara, tudo é prasāda. Assim sendo, seja qual for o resultado de uma ação, este deverá ser visto como prasāda. Esta atitude traz uma certa tranquilidade para a pessoa relativamente ao resultado da ação, porque a pessoa progressivamente vai treinando a aceitação, e com isso diminuindo o poder destrutivo e perturbador das paixões e aversões.Geralmente, quando agimos apenas focamos o resultado, pois somos treinados assim, e isso leva muitos a cometerem crimes, a não olhar a meios para a obtenção dos fins que tanto e obcessivamente desejam, o que é oposto e prejudicial a uma vida de crescimento emocional e espiritual. Quando a ação é feita não respeitando o dever e somente seguindo o prazer, seguindo a paixão ou a aversão, estamos a fortalecer as nossas paixões e aversões, e a perder a capacidade de as gerenciar, de ter uma palavra a dizer sobre elas. Porém, quando as ações são feitas tendo em vista o dever, portanto respeitando o Dharma, a Ordem Universal, aprendemos progressivamente a gerenciar as paixões e as aversões, e com isso fortalecemo-nos emocionalmente e nutrimos a nossa personalidade espiritual. O mundo passa a ser o altar sagrado chamado Vida, onde ofereço as minhas ações como meio de crescimento. A sensibilidade para apreciar Īśvara aumenta, a sensibilidade para interpretar o que é esperado de mim aumenta, a capacidade de agir inteligentemente e objetivamente respeitando a Ordem Universal aumenta, e com isso o coração vai ficando mais e mais apaziguado, pois a pessoa deixa de ser ver como uma mera consumidora, passando a ver-se como uma contribuidora e passando, portanto, a apreciar a sua grandeza interna, que é a dádiva e o privilégio de poder contribuir para a Harmonia Universal. É neste coração grande que a mensagem de Vedānta encontra o seu lar, e assim que lá chega, lá sempre permanece.


    Paulo Abreu Vieira

    [1]4.146- सर्वधातुभ्यो मनिन् । उणादिसुत्र.