• आयुर्वेद – prakriti: Compreender a sua natureza ayurvédica

    Prakriti representa a combinação ou estado natural dos doshas no momento da conceção. Esta constituição permanece inalterada ao longo da vida e, embora possa predispor a certas perturbações, não é uma causa direta de doença. Avaliar prakriti é um passo no tratamento ayurvédico tradicional, pois identifica qual o seu estado natural, a sua natureza.

    A prakriti é erroneamente referida simplesmente como “dosha”. Toda a gente tem os três doshas, mas em proporções variadas. A sua constituição pode ter a predominância de um dosha, dois doshas ou, em casos raros, um equilíbrio dos três. O prakriti também abrange características mentais e emocionais.

    A sua prakriti pode ser:

    vāta – predominantemente vāta dosha

    pitta – predominantemente pitta dosha

    kapha – predominantemente kapha dosha

    vāta-pitta – vāta e pitta doshas são predominantes sobre kapha.

    vāta-kapha – vāta e kapha doshas são predominantes sobre pitta.

    pitta-kapha – pitta e kapha doshas são predominantes sobre os vāta.

    vāta-pitta-kapha – um prakriti raro onde todos os três doshas estão equilibrados

    Vamos explorar, de forma simplificada cada tipo de prakriti de acordo com o Caraka Samhita

    vāta dosha

    vāta é seco, leve, móvel, abundante, rápido, frio, áspero e não viscoso.

    • devido à secura as pessoas com predominância de vāta possuem secura, baixa estatura, voz áspera, fraca, rouca, e têm tendência para estarem despertas durante a noite
    • pela leveza, são leves, com movimentos leves e com atividades, alimentação e fala instáveis
    • devido à mobilidade, articulações instáveis, e com mais movimento das sobrancelhas, mandíbula, lábios, língua, cabeça, ombros, mãos e pés
    • pela abundância de vāta, loquacidade e abundância visual de tendões e veias
    • devido à rapidez têm iniciação precipitada de actividades, rápidas manifestação de doenças, facilmente desenvolvem medo, apego e desencanto, rápidas na aquisição de conhecimento, mas com memória fraca (retenção)
    • devido ao frio, intolerância ao frio, tremores e rigidez
    • devido à aspereza, pêlos ásperos, barba-bigodes, cabelos, unhas, dentes, rosto, mãos e pés
    • devido à não viscosidade, som constante nas articulações durante o movimento

    Devido à presença destas qualidades, as pessoas com predominância de vāta têm, na sua maioria, baixo grau de força, expectativa de vida, descendência, meios e riqueza.

    pitta dosha

    pitta é quente, intenso, líquido, de cheiro de carne, azedo e picante.

    • Devido ao calor, as pessoas com predominância de pitta são intolerantes e vulneráveis a distúrbios calor, têm corpo delicado e bonito, muitas manchas, sardas, manchas pretas e borbulhas, fome e sede excessivas, aparecimento precoce de rugas, queda de cabelo e cabelos brancos precoces, barba/bigodes macios, escassos
    • devido à intensidade, poder digestivo intenso, ingestão de muita comida e bebida, falta de resistência, alimentação frequente
    • devido à liquidez, articulações e músculos frouxos e moles, transpiração, micção e defecação excessiva
    • devido ao cheiro carnudo,  mau cheiro nas axilas, hálito, cabeça e corpo
    • devido ao azedo e picante têm menos sémen, libido e pouca descendência

    Por causa da presença destas qualidades, as pessoas com predominância de pitta são moderadas em força, esperança de vida, conhecimento, compreensão, riqueza e meios

    dosha kapha

    kapha é untuoso, suave, macio, doce, essência, denso, ação lenta, estável, pesado, frio, viscoso e claro.

    • Por causa da sua untuosidade as pessoas com predominância de kapha possuem corpo bem lubrificado
    • devido à suavidade possuem corpos agradáveis, delicados e agradáveis
    • devido à doçura as pessoas tem sémen abundante, libido e mais descendência
    • devido à essência, a pessoa excelente possui um corpo compacto e estável
    • devido à densidade, todos os órgãos estão bem desenvolvidos e perfeitos
    • devido à lentidão são mais lentas nas atividades, na alimentação e na fala
    • devido à estabilidade, tem atraso no início das atividades, irritação e lentidão na mudança de atitude, as doenças são lentamente progressivas
    • devido ao peso os movimentos são sustentados e com estabilidade
    • devido ao frio tem pouca fome, sede, calor e transpiração
    • devido à viscosidade têm ligamentos e articulações fortes
    • devido à clareza têm olhos claros, rosto com tez clara e untuosa e voz afetuosa.

    Devido à presença destas qualidades, as pessoas de natureza dominada por kapha são fortes, ricas, eruditas, corajosas, calmas e de longa vida.

    Combinações de dosha

    Na maior parte todos nós temos uma combinação de 2 doshas em diferentes proporções portanto temos variadas combinações destas características.

    Determinar a prakriti

    Embora os questionários online possam oferecer algumas pistas sobre a sua prakriti, muitas vezes não têm a profundidade e a precisão da avaliação de um profissional ayurvédico treinado.

    Benefícios de conhecer a prakriti

    Compreender a sua prakriti pode levar a benefícios significativos para a saúde. Adoptar práticas preventivas que levam em consideração as suas tendências de acordo com a sua prakriti promove o equilíbrio e ajuda a prevenir doenças crónicas.

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

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  • avaliacao pacientes ayurveda

    आयुर्वेद – Como é a avaliação de pacientes no āyurveda

    Rogi Pariksha, ou exame do paciente, é um componente fundamental do diagnóstico ayurvédico. Envolve uma avaliação holística da saúde física, mental e espiritual do paciente. Esta abordagem abrangente garante que o tratamento seja adaptado à singularidade do indivíduo.

    A avaliação é guiada pelos princípios de tridosha (vata, pitta e kapha) e pelo conceito de prakriti (a constituição inerente de um indivíduo), etc. De acordo com o Ayurveda, a saúde é um estado de equilíbrio entre esses doshas. Qualquer desequilíbrio leva à doença. Portanto, o objetivo principal de rogi pariksha é identificar desequilíbrios doshas e suas principais causas.

    Os componentes de Rogi Pariksha

    Existem várias classificações de exame, estas são as mais comuns:

    de 8 tipos

    • pulso, língua, toque, olhos, rosto, voz, urina, fezes

    de 10 tipos

    • constituição, anormalidades, estado dos tecidos corporais, estruturas, medidas, salubridade, mente, digestão, capacidade de realizar esforço, idade

    Mas fundamentalmente todos se enquadram no exame de 3 tipos

    • Pergunta

    Questionamento detalhado sobre o histórico médico do paciente, estilo de vida, dieta e sintomas. Este diálogo ajuda o praticante a entender as rotinas diárias do paciente, estado emocional e quaisquer causas potenciais de desequilíbrio.

    • Inspeção

    O médico/terapeuta observa a aparência física, marcha, postura e comportamento do paciente. As principais observações incluem a condição da pele, cabelo, olhos, língua e físico geral. Estas observações ajudam a identificar sinais de desequilíbrio dos doshas.

    • Palpação

    Isso envolve exame físico por meio do toque. O praticante avalia o pulso, o abdómen e examina a textura e a temperatura da pele. O diagnóstico de pulso (nadi pariksha) também é usado, fornecendo possíveis informações sobre o equilíbrio dos doshas e do estado de vários órgãos internos.

    Conclusão

    Rogi Pariksha incorpora a filosofia holística do Ayurveda. Esta abordagem abrangente para diagnosticar e entender o paciente abre caminho para tratamentos personalizados e eficazes.

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

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  • A importancia da alimentação na doença

    आयुर्वेद – a importância da alimentação durante a doença

    गाः सर्वेऽपि मन्देऽग्नौ

    rogāḥ sarve’pi mande’gnau

    a.h. ni. 12/1

    No āyurveda, a digestão comprometida é frequentemente citada como a principal causa de muitas doenças. Embora haja exceções, a digestão invariavelmente desempenha um papel crucial na saúde geral. Todos nós já sentimos falta de apetite e mal-estar geral durante a doença, o que sublinha a ligação entre a saúde digestiva e o bem-estar.

    A importância da digestão

    Já discutimos anteriormente como a digestão é vital para a saúde. Garante a conversão adequada dos alimentos em tecidos corporais, a absorção de nutrientes e até influencia o nosso estado mental. Quando a digestão é comprometida, os alimentos não são processados adequadamente, levando à criação de “toxinas”. Se essas toxinas não forem eliminadas, podem causar vários problemas de saúde.

    O Conceito de “Pathya”

    Isto leva-nos ao conceito de “pathya”. No āyurveda, pathya significa integral, apropriado e saudável. Alimentos e atividades que sustentam os sistemas do corpo e agradam à mente são considerados pathya. O consumo de pathya proporciona nutrição completa e auxilia na desintoxicação, sendo essencial para a manutenção da saúde e tratamento de doenças.

    Para indivíduos saudáveis, pathya inclui alimentos como shashtika e shali (variedades de arroz), mudga (feijão mungo), sal de rocha, āmalaka (groselha indiana), yava (cevada), água da chuva, leite, ghee, carne de animais de áreas áridas habitats e mel.

    Pathya para os doentes

    Para aqueles que estão doentes, pathya depende da condição específica e do estágio da doença. O āyurveda descreve quais alimentos são úteis para vários problemas de saúde, e geralmente recomenda alimentos mais leves para evitar sobrecarregar o fogo digestivo prejudicado. O segredo é comer bem e de forma leve, apoiando o processo de cura em vez de prejudicá-lo.

    Sabedoria Tradicional e Práticas Modernas

    Tradicionalmente, estávamos mais sintonizados com essa sabedoria. Por exemplo, a simples canja, um alimento medicinal conhecido por ser leve e nutritivo, era normalmente consumido durante a doença. Hoje em dia, recorremos frequentemente aos medicamentos e ignoramos o poder curativo dos alimentos, ainda que estes possam ser um dos maiores “curadores”. Não é por acaso que um dos sinónimos de medicina no āyurveda é pathya.

    Exemplos de preparações

    Aqui estão alguns exemplos de preparações tradicionais de pathya:

    Manda: O líquido filtrado obtido após ferver 1 parte de arroz com 14 partes de água.

    Peya: Preparação predominantemente líquida com alguns sólidos após ferver uma 1 de arroz com 14 partes de água.

    Vilepi: Pasta semi sólida obtida após ferver 1 parte de arroz com 4 partes de água.

    Yavagu: Uma pasta grossa feita cozinhando 1 parte de grão (como arroz) com 6 partes de água.

    Estas preparações são aplicadas de forma gradual de acordo com a condição da digestão. Podem ser feitas com diferentes grãos e podem incluir diversas ervas/especiarias dependendo do caso.

    A necessidade de pós-recuperação de Pathya

    O āyurveda compara uma pequena faísca de fogo que se transforma em grandes chamas quando entra em contato com o vento ou a madeira, a um corpo fraco em recuperação de uma doença. Mesmo após o desaparecimento dos sintomas, existe o risco de recaída. É importante seguir pathya por uns tempos, mesmo após a recuperação.

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de āyurveda

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  • आयुर्वेद – 3 mitos do āyurveda

    É normal que informações acerca de uma ciência milenar que teve origem numa terra longínqua sejam simplificadas, alteradas e tiradas fora de contexto e que, com o passar do tempo, parece que se tornam realidade. Hoje vamos ver 3 mitos do āyurveda

    āyurveda é vegetariano

    āyurveda diz que não existe qualquer substância que não possa ser usada como “medicamento”. Estas substâncias podem ser de origem vegetal, animal, mineral, etc.

    Falando de alimentação, o caraka samhita fala quais os produtos animais que são próprios para consumo humano, quais as suas propriedades e efeitos no corpo e efeitos terapêuticos. Define também 2 categorias de dieta, saudável e prejudicial. Na categoria de saudável ele descreve diferentes substâncias, inclusive quais os produtos de origem animal mais saudáveis.

    Aqui vou usar traduções comuns, podem não ser exactamente correctas. Antílope, codorniz, iguana e carpa são os animais mais saudáveis. São também listadas várias gorduras animais, ghṛta (ghee), banha e gorduras de peixe e aves. Da mesma forma diz que carne de vaca, pomba, sapo, certos tipos de peixe e gorduras animais que são prejudiciais.

    Em termos de terapias, para uma pessoa que precise de nutrição em casos de emaciação, o caraka diz que carne é a melhor comida, sopa de carne, galinha são mencionados como comidas revigorantes. Até o sémen de crocodilo é listado como o melhor afrodisíaco.

    Para os mais aficionados as referências são do c.s. su. 25 e 27

    Portanto a presença de produtos animais está em todos os textos não só como forma de terapia mas também como alimentação. Isto não quer dizer que o āyurveda não pode ser utilizado de forma vegetariana ou vegana porque efectivamante pode. Uma vez que os princípios sejam entendidos, os mesmos podem ser aplicados da mesma forma com as devidas substituições.

    O que não deve acontecer é haver substituições como por exemplo “ghee vegano” etc, o ghṛta descrito nos textos tem uma série de propriedades que dependem da matéria prima original e do seu processamento. Se já existem riscos em comparar a eficácia do ghṛta de antigamente com o dos dias de hoje, devido à qualidade da alimentação da vaca, qualidade do leite etc, muito menos se pode comparar com uma substância que, ainda que assemelhe com ghṛta, não o é.

    āyurveda não tem efeitos secundários

    A palavra dravya pode ser traduzida como substância. De forma geral, para o āyurveda dravya é aquilo que tem guṇa (qualidade) e karma (acção). Neste contexto vamos usar a palavra dravya como alimento e

    De forma mais específica, na farmacologia ayurvédica existem 5 classificações para substâncias: rasa, guṇa, virya, vipaka e prabhava. Cada uma destas classificações têm diferente efeitos nos doṣas e no corpo.

    rasa:

    o sabor perceptível quando uma substância toca na língua. O āyurveda reconhece 6 sabores, doce, azedo, salgado, amargo, picante e adstringente.

    guṇa:

    são as qualidades de uma substância. Por exemplo, pode ser pesada ou leve, seca ou oleosa, quente ou fria.

    vīrya:

    significa energia ou potência. Pode ser interpretado como a força por detrás da substância. Diferentes autores têm diferentes opiniões mas normalmente diz-se que as vīryas principais são quente e frio.

    vipaka:

    se rasa é o sabor perceptível quando uma substância toca na língua, vipaka é o sabor no fim da digestão, sabor pós digestivo. Pode ser de 3 tipos: doce, azedo ou picante

    prabhava:

    o poder especial que uma substância pode ter para além da expectativa inicial. Por exemplo 2 substâncias com rasa/vipaka katu e vīrya quente deviam causar purgação mas uma delas não causa. Esta diferença deve ser considerada prabhava.

    Então se toda e qualquer substância afecta os doṣas e o corpo de maneiras diferentes é fácil concluir que o uso de uma substância medicinal ou alimento de forma inapropriada em termos de quantidade, situação pode com certeza levar a efeitos secundários. Por isso a automedicação ainda que com produtos naturais não seja recomendada. Os efeitos secundários vão também depender da qualidade do diagnóstico e da quantidade de medicamento recomendados   

    panchakarma são terapias de spa

    Já falamos de um pouco de pañcakarma noutro artigo mas agora vou trazer aqui outra perspectiva

    Hoje em dia na internet e nas redes sociais é muito comum ver pañcakarma ser promovido como terapia de desintoxicação com imagens de spa, velas, fios de óleo a escorrer pela testa, flores e incenso… mas na verdade, o processo de pañcakarma, feito de maneira correcta, não é normalmente uma experiência muito prazerosa.

    Passei muitos meses num centro de ayurveda tradicional e só o regime alimentar do tratamento era muitas vezes suficiente para levar pacientes ao “desespero”. Além disso, hoje em dia, estimulação é contraindicado portanto o uso de telemóvel, internet e de electrónicos em geral não recomendados durante as diferentes etapas do tratamento o que torna o processo ainda mais difícil para a maioria das pessoas.

    A etapa de preparação regra geral passa por procedimentos de oleação (interna e externa) e de sudação. A oleação interna, regra geral, passa por beber ghee medicada em quantidades que aumentam de dia para dia. A tolerância da pessoa para beber “manteiga derretida”, normalmente medicada com ervas amargas durante uma média de 7 dias, vai ditar a qualidade da sua experiência.

    As terapias em si, a julgar pelos nomes, vómito terapêutico, purgação terapêutica, enema, aplicação de substâncias medicadas pelo nariz e por último extracção de sangue não soam muito apetecíveis e muitas vezes podem ser desagradáveis.

    No pós tratamento, a digestão e o corpo estão fracos e muita atenção é necessária nesta etapa. A reintegração de alimentos é feita de forma integral e todas as regras de alimentação devem ser seguidas. A reintegração ao estilo de vida deve também ser gradual o que se revela complicado stress e na rapidez onde vivemos nos dias de hoje.

    Longe de mim estar a dizer que o pañcakarma não resulta, resulta mas na verdade muita gente que o faz não necessita. É um processo duro para o corpo e mente e implica que os doṣas estejam muito agravados. 

    Por outro lado, existem terapias isoladas de oleação e sudação como o abhyanga, shirodhara, pinda sveda que podem ser utilizados e de facto trazem alívio e bem estar mas não são, só por si, pañcakarma.

    Ricardo Barreto

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  • आयुर्वेद – āyurveda e yoga

    Hoje em dia é difícil encontrar um curso de āyurveda sem referências ao yoga e um curso de yoga sem referências ao āyurveda. Oriundas das mesmas fontes de conhecimento, āyurveda e yoga são utilizados como parte de um sistema holístico e complementar mas, qual é a visão dos clássicos de āyurveda em relação ao yoga?

    Num capítulo do caraka samhitā, provavelmente o livro mais importante do āyurveda, exploram-se as razões que levam ao sofrimento do ser humano.

    Comprometimento das faculdades mentais

    Quando as três faculdades mentais cruciais – dhi, dhriti e smṛti – estão comprometidas, causam sofrimento.

    dhi, a capacidade de compreender, quando prejudicada, distorce nossa percepção da realidade. dhriti, o poder do autocontrole, fica enfraquecido, permitindo que a mente se entregue a atividades prejudiciais. Enquanto isso, smṛti, o poder da memória, quando obscurecido pela influência de rajas e tamas, obstrui a capacidade de memória acerca dos conhecimentos essenciais. Estas deficiências desencaminham-nos, e alimentam ações que causam sofrimento.

    prajñāpāradha: O Erro do Intelecto

    Quando o intelecto vacila, fazemos ações desfavoráveis que levam a desequilíbrios físicos e mentais. Este “defeito intelectual” manifesta-se de várias formas, desde negligenciar métodos de tratamento adequados até ter comportamentos prejudiciais motivados por emoções negativas, como medo, raiva e ganância. Estas ações, decorrentes de um intelecto equivocado, são o princípio doença e da angústia.

    A influência do tempo: kāla

    O tempo, uma força subtil mas potente, desempenha um papel significativo na formação da nossa saúde e bem-estar. As variações sazonais, dos ritmos digestivos e dos ciclos diários têm um grande impacto no nosso equilíbrio fisiológico. As doenças manifestam-se com a mudança das estações, durante horários específicos da digestão e até mesmo em determinadas horas do dia ou da noite.

    Desvendando o Destino: daiva

    O conceito de destino, lembra-nos dos fundamentos kármicos da nossa existência. As ações passadas, influenciam as nossas circunstâncias presentes, incluindo a nossa saúde. Algumas aflições ocorrem devido a impressões kármicas profundamente enraizadas, transcendendo as intervenções terapêuticas convencionais. A aceitação desta ordem cósmica é essencial para enfrentar os desafios da vida com equanimidade.

    Equilíbrio Sensorial: asātmya indriyārtha saṃyoga

    O contacto dos sentidos com os seus objectos devem ser feitos de maneira apropriada. Quando indevidamente utilizados, os sentidos tornam-se canais de aflição. Os efeitos prejudiciais da má gestão sensorial passam pela exposição a estímulos exagerados até a indulgência em prazeres sensoriais prejudiciais. É necessário que o contato benéfico seja respeitado e que o contato prejudicial seja abandonado para a manutenção de uma boa saúde.

    Conclusão do caraka (de acordo com traduções disponíveis)

    A felicidade e o sofrimento geram desejos na forma de gostos e desgostos, respectivamente. Então, esse desejo é a causa responsável pela felicidade e pelo sofrimento.

    A mente e o corpo juntamente com os órgãos dos sentidos são os locais de manifestação de felicidade e sofrimento.

    A única referência a yoga no caraka samhitā vem após esta exposição e diz o seguinte:

    योगे मोक्षे च सर्वासां वेदनानामवर्तनम् |

    मोक्षे निवृत्तिर्निःशेषा योगो मोक्षप्रवर्तकः

    Num estado de yoga e mokṣa, as sensações tornam-se não existentes.

    yoga é um meio para atingir mokṣa.

    A felicidade e o sofrimento são sentidas devido ao contato da ātmā com os órgãos dos sentidos, a mente e os objectos dos sentidos. Ambos os tipos de sensações desaparecem quando a mente está concentrada e contida no ātmā e os poderes sobrenaturais da mente e do corpo são alcançados. Este estado é conhecido como yoga, de acordo com os sábios versados nesta ciência.

    Como vimos em artigos anteriores, o objectivo exclusivo do caraka samhitā é manter o equilíbrio do corpo. Ainda assim, ao referir as diferentes causas do sofrimento, dá a entender que, embora haja maneiras de manter equilíbrio, a única solução permanente para as alternâncias entre felicidade e sofrimento é mokṣa. Aqui, o yoga é simplesmente mencionado como um meio para atingir mokṣa.

    Não fica claro que “yoga” é referido mas podemos assumir que será diferente do que hoje em dia pensamos como yoga. O que fica claro é que estas duas ciências têm andado de mãos dadas nos últimos milénios.

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  • Sātmya Ricardo Barreto

    आयुर्वेद – Sātmya

    O termo Sātmya é traduzido como hábito, adequação, salubridade ou o alinhamento com a constituição natural de um indivíduo. Sātmya é relevante na manutenção da saúde e além disso, desempenha um papel crucial na gestão eficaz de várias doenças. Sātmya é importante como parâmetro de avaliação em exames de pacientes e varia com base em fatores como região geográfica, estação do ano, doença, uso repetido, etc.

    Deṣa Sātmya (região geográfica)

    O Āyurveda descreve diferente tipos de regiões geográficas, baseadas na predominância dos doshas. Por exemplo, os residentes de terras pantanosas, dominadas pelas qualidades snigdha (untuoso) e guru (pesado), são aconselhados a adotar uma dieta e estilo de vida que contrabalançam essas qualidades. Isto pode envolver a incorporação de alimentos secos e leves na sua rotina para manter uma saúde óptima. Então esta dieta é Sātmya para as pessoas que vivem em terras pantanosas.

    Outra faceta é Ṛtu Sātmaya (sazonal), o foco na adaptação às mudanças sazonais. Perante o stress ambiental extremo durante uma determinada estação, o corpo esforça-se por ajustar o seu ambiente interno. As ajudas externas tornam-se cruciais para uma adaptação mais harmoniosa a estes desafios. Como todos sabemos, durante o rigor do inverno, é aconselhável vestir roupas de lã para reter o calor interno. Procurar ambientes aquecidos protege o corpo do ar frio, enquanto consumir bebidas quentes e condimentos mais quentes acelera o metabolismo, e gera calor adicional. Uma dieta hipercalórica torna-se imprescindível para atender às elevadas demandas energéticas, combatendo eficazmente o frio. Ritu Sātmya, sublinha a necessidade de ajustes personalizados de acordo com as condições meteorológicas e as qualidades do ambiente prevalecentes.

    Em caso de doença (roga Sātmya), torna-se imperativo que os médicos reconheçam Sātmya como um fator contribuinte fundamental.

    Seguir as orientações de Sātmya não só auxilia no processo de recuperação, mas também serve como medida preventiva contra doenças futuras. Por exemplo se uma doença de vāta ocorreu por causa das suas características (seco, leve, etc), o tratamento e a habituação contrários a este servem de Sātmya para essa doença


    Passando para Oka Sātmaya, este conceito investiga práticas ou consumíveis que podem ser inerentemente prejudiciais, mas que podem ser adaptados ao corpo através da introdução gradual. Os exemplos incluem fumar cigarros ou consumir álcool – ações que, com o tempo, o corpo aprende a acomodar sem efeitos nocivos imediatos. Ênfase aqui no imediato. Outros exemplos podem ser comidas picantes, tornam-se Sātmya por habituação como, por exemplo, na Índia onde grande parte dos turistas tem dificuldade em aguentar o nível de picante de uma simples entrada num café ou restaurante.


    Roga Sātmya. Aqui, dietas e atividades são adaptadas para proporcionar alívio de doenças específicas. Por exemplo, ao lidar com um distúrbio Vāta caracterizado por secura, leveza e propriedades frias, a abordagem recomendada envolve adotar práticas, dietas e hábitos contrários a essas características e desta forma amenizar os sintomas e remover a causa da doença.

    Concluindo, Sātmya é uma pedra fundamental do Ayurveda, incorporando a profunda interconexão entre os indivíduos e seu ambiente. Este conceito, que reflecte a adaptabilidade e a adequação, estende-se, como vimos, a diversas dimensões. Vivemos num tempo em que existe uma tendência de homogeneizar a saúde e o bem estar, em que um tipo de alimentação e de estilo de vida irá beneficiar todas as pessoas da mesma forma. A abordagem holística do Ayurveda enfatiza a importância de alinhar o estilo de vida, a dieta e os hábitos com estes fatores inerentes para a preservação da saúde e prevenção de doenças. O conceito de Sātmya serve como princípio orientador, promovendo um equilíbrio harmonioso entre os indivíduos e a dinâmica em constante mudança do mundo ao seu redor.

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

    Inspirado no livro Āyurveda and Principles of Panchakarma da Dr. Mandip G

    Foto de Pixabay

  • Ricardo Barreto

    आयुर्वेद – Filosofias por detrás do āyurveda

    O āyurveda germinou numa vasta e variada paisagem de darśanas. A palavra darśana pode ser traduzida como visão válida ou instrumento para obter uma visão válida.

    Normalmente a palavra darśana é traduzida como filosofia mas analisando bem existe uma diferença entre o que no oeste chamamos filosofia e darśana. Enquanto na sua grande maioria, a filosofia no oeste lida com o conhecimento e os mistérios do mundo, tende a não ter um destino definido enquanto darśana tem como seu destino a cessação do sofrimento e a libertação.

    O āyurveda enquanto ciência, fez uso de várias darśanas, para a compreensão do universo e da natureza da realidade. A partir destas delas observou, descreveu e entendeu os factores causativos da manutenção de saúde e tratamento da doença.

    Uma breve introdução às darśanas que influenciaram o āyurveda:

    sāṃkhya de maharṣi kapila

    kapila descreve 24 princípios na criação do Universo, incluindo a forma não manifesta, a inteligência cósmica, o Eu, objectos de percepção, sentidos, faculdades motoras e 5 elementos.

    Apresenta prakṛti e puruṣa como avyakta (não manifesto) e explica o desenvolvimento do universo a partir deste estado.

    nyāya de maharṣi gautama

    Enfatiza a obtenção de conhecimento por meio de provas (pramanas) e lógica crítica.

    Descreve quatro fontes de conhecimento: percepção directa, inferência, analogia e palavras de uma autoridade.

    vaiśeṣika de maharṣi kanada

    Descreve a teoria atómica da criação

    Descreve as substâncias causadoras do Universo, incluindo éter, ar, fogo, água, terra, o Eu, mente, tempo e direção.

    Introduz seis categorias: substância, qualidade, ação, relação semelhante, relação dissimilar e relação inseparável.

    mīmāṃsā de maharṣi jaimini

    Envolve investigação para chegar à verdade e é baseado nos Vedas.

    Enfatiza rituais espirituais e disciplina para a libertação através do cumprimento do dharma (dever).

    vedānta de maharṣi bādarāyana/ veda vyāsa

    Explora o conhecimento e realização do Eu.

    yoga de maharṣi patañjali

    Descreve os 8 ramos do yoga para autodisciplina e libertação (mokṣa).

    Com base nestas 6 escolas, o āyurveda criou uma escola independente de pensamento.

    sāṃkhya – teoria de evolução, o entendimento e aplicação da triguṇa (sattva, rajas e tamas)

    yoga – fisiologia da mente e as suas patologias e mais contemporaneamente assimilou as práticas de yoga

    nyāya -métodos de investigação

    vaiśeṣika – 6 factores causativos, a indivisibilidade da unidade mais subtil

    mīmāṃsā – terapias espirituais, mantras, rituais de iniciação, metodologias de ensino, liberdade através do cumprimento do dever (dharma)

    vedānta – conceitos de pañcikaraṇa e paramātmā, brahma é eterno e imutável, a conquista final de cada ser humano. 

    Ainda que influenciado por estas filosofias o ayurveda mantém uma posição independente pois o seu objectivo é ligeiramente diferente das outras filosofias. 

    O objectivo do ayurveda é a manutenção da saúde e a erradicação das doenças para que a pessoa possa então prosseguir na conquista dos seus puruṣarthas.

    Ricardo Barreto
    Terapeuta de Ayurveda

    Foto de Tingey Injury Law Firm, Unsplash

  • A Harmonia do Ser

    आयुर्वेद – Harmonia do Ser: Abordagem Holística do Ayurveda

    A abordagem holística do Ayurveda está directamente ligada à interconexão de sharira (corpo), indriya (sentidos), sattva (mente) e ātmā (o Eu). Esta perspectiva  diz que o nosso bem-estar e saúde está dependente do alinhamento harmonioso destes elementos fundamentais.

    sharira

    O corpo é onde o Eu assenta. É formado pelos 5 elementos fundamentais, espaço, ar, fogo, água e terra. É organizado por doshas, dhatus (tecidos corporais) e malas (excretas). O corpo é um dos lugares onde a saúde e a doença se expressam.

    Compreender como os doshas, dhatus e malas são impactados directamente pelas nossas acções e hábitos é fundamental dentro da sabedoria ayurvédica. Das escolhas alimentares às práticas de estilo de vida, o Ayurveda ensina-nos a nutrir o nosso corpo de uma forma que este mantenha o seu estado natural, promovendo o equilíbrio e a vitalidade.

    indriya

    O termo “indriya” abrange tanto as faculdades sensoriais como as faculdades motoras, abrange também o sistema interno de percepção do conhecimento. No Ayurveda, a noção de indriya vai além da mera existência estrutural de órgãos dos sentidos, como olhos, ouvidos, nariz, pele e língua. Cada sentido possui a capacidade de estabelecer uma conexão com a consciência e pode evoluir para um sentido intensificado na presença da mente e do Eu. 

    De acordo com o āyurveda, o processo de cognição começa dentro da pessoa. o Eu expressa vontade de percepção do conhecimento através da mente. A mente então conecta-se com o sentido particular. Este procura e conecta-se com a fonte para saber sobre aquele objeto específico. De um certo ponto de vista, a decisão de coisas boas/más, corretas/incorretas dependem da coordenação dos órgãos dos sentidos, dos sentidos, do intelecto, do Eu.

    Desta forma, a saúde dos sentidos é fundamental para o equilíbrio pois servem como portas entre o mundo externo e nossa paisagem interna.

    sattva

    Num contexto āyurvédico a palavra sattva é muitas vezes como sinónimo da mente visto sattva ser a sua natureza.  Já vimos que tem um papel importante no processo de cognição. É com a mente que pensamos, analisamos, ponderamos, criamos hipóteses, nos concentramos, temos auto controle, etc.

    Desta forma é importante cultivar uma mente tranquila, com qualidades de pureza e da clareza para que desta forma possamos tomar decisões apropriadas. O Ayurveda ensina que uma mente serena é indispensável para o bem-estar geral. Aprimorar o nosso discernimento, exercitar perseverança e conhecimento do Eu são terapias recomendadas como práticas que promovem equilíbrio mental.

    ātmā

    De acordo com o āyurveda, ātmā não é afectado por doenças, é eterno, é o observador de todas as actividades. Entre outros é responsável pela consciência, individualidade, usufrui do resultado das acções e mantem a memória individual

    O reconhecimento do ātma, a nossa essência é também parte de um bem-estar holístico. É importante descobrir como alinhar as nossas ações com nosso Eu superior e desenvolver um profundo senso de propósito, realização e conexão com o universo.

    A abordagem holística do Ayurveda, fundada nos pilares sharira, indriya, sattva e ātmā, convida-nos a embarcar numa jornada de autodescoberta. À medida que aprimoramos o equilíbrio destes elementos, encontramos não apenas saúde física e mental, mas também uma existência harmoniosa que ressoa com os ritmos eternos do universo.Ricardo Barreto
    Terapeuta de Ayurveda

    Foto de Nandhu Kumar

  • Como tornar a sua refeição ayurvédica por Ricardo Barreto

    आयुर्वेद – Como tornar a sua refeição ayurvédica

    A alimentação é um dos pilares da saúde mais importantes no ayurveda. Nas redes sociais e na internet passa-se muitas vezes a ideia de que uma receita de comida indiana é ayurvédica. Naturalmente a comida indiana utiliza muitos ingredientes que estão descritos nos textos clássicos mas muitas vezes, estes não são preparados nem consumidos de forma adequada. Então vamos ver como podemos tornar a nossa refeição ayurvédica.

    Apetite e digestão: a chave para a absorção de nutrientes

    A nossa digestão é considerada a base de uma boa saúde. Para melhorar a digestão, é preciso sintonizar com sinais de fome do corpo. Coma apenas quando tiver apetite de verdade, não pela hora ou a situação. Comer sem fome pode levar à comida não ser digerida nem absorvida apropriadamente e isto é suficiente para criar desequilíbrios no corpo especialmente se for feito repetidamente. Respeite sua fome, se sente que não tem apetite para a refeição tente fazer jejum. O mesmo se aplica em casos de indigestão.

    Quantidade certa: manter a digestão equilibrada

    O Ayurveda incentiva a moderação em todos os aspectos da vida, e a alimentação não é excepção. Sobrecarregar o prato é sobrecarregar o sistema digestivo e perturbar o equilíbrio do corpo. A quantidade ideal de comida é aquela que garante que o nosso fogo digestivo não se extinga nem por falta de combustível nem por excesso dele. Tente sempre acabar de comer antes de estar com a satisfação a 100%.

    Ingredientes frescos e sazonais: a recompensa em cada prato

    A natureza fornece diferentes alimentos em diferentes estações para ajudar o nosso corpo a adaptar-se às mudanças ambientais. Escolha uma variedade de frutas e vegetais coloridos, grãos integrais e legumes da estação. Isto não só garante que a sua refeição esteja repleta de nutrição, mas também que esteja alinhada com os ritmos naturais. Dê ênfase a ingredientes frescos, sazonais e de origem local.

    Sem distrações: comer com consciência

    Coma com o mínimo de distrações. Desligue a TV, guarde o telefone e saboreie cada garfada. Preste atenção aos sabores, texturas e aromas da comida. Comer devagar permite que o corpo entenda os sinais de saciedade evitando comer demais. Esta abordagem consciente promove uma conexão mais profunda entre o corpo e a alimentação.

    Alimentos para a saúde e a recuperação: adaptando sua dieta às suas necessidades

    A alimentação, além de manter a saúde, também é um tratamento. Cada pessoa é única e a sua condição de saúde ou de doença varia. As recomendações alimentares devem estar adequadas ao estado da pessoa. Os hábitos alimentares de uma pessoa doente não devem ser os mesmos de uma pessoa saudável. Muitas vezes não tomar uma refeição, simplificar uma receita, evitar certos alimentos, usar diferentes especiarias é suficiente para redirecionar o corpo para um estado de equilíbrio. De forma geral, consumir comida quente, leve e não muito seca é recomendado.

    Incorporar ayurveda nas refeições vai além de estilos culinários e ingredientes indianos. Uma refeição ayurvédica resulta da aplicação de princípios baseados na manutenção da digestão e nutrição dos tecidos corporais com alimentos saudáveis processados de forma adequada. Além disso, é uma abordagem consciente e intencional para nutrir o corpo. Existem outros factores como os 6 sabores, os alimentos incompatíveis que também devem ser levados em consideração mas ao abraçar estes simples cinco aspectos – apetite e digestão, quantidade certa, ingredientes frescos e sazonais, comer com consciência e adaptar a sua dieta às suas necessidades – pode transformar a sua refeição numa refeição ayurvédicas; uma refeição que não crie desequilíbrios no corpo e seja fonte de vitalidade e bem-estar.

    Até já!

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

  • आयुर्वेद – Como viver uma vida realizada: Sabedoria do Caraka Samhita

    O Caraka Samhita é indiscutivelmente o texto clássico de referência de ayurveda. Supostamente terá sido compilado por volta de 1500 AC e contém nele conhecimentos profundos sobre a biologia humana. Encontramos também conceitos que esclarecem a natureza holística do ser humano, a constituição individual, os cinco elementos fundamentais, os meandros da digestão, do metabolismo e muitos outros. Estes conceitos servem como pilares de conhecimento que contribuem significativamente para o estudo, a prática e pesquisa de ayurveda até aos dias de hoje.

    O texto pinta um quadro vívido do que significa viver verdadeiramente, e não apenas de existir, mas de prosperar.

    A vida ideal, definida

    Uma vida de verdadeira realização é aquela em que o corpo e a mente estão em harmonia, livres de doenças. É uma vida marcada pela exuberância da juventude, um espírito robusto, força física e uma boa reputação. Uma vida verdadeiramente plena incorpora as qualidades de coragem e uma compreensão das artes e das ciências.

    Uma vida de riqueza sensorial

    Na busca por uma vida plena, os sentidos desempenham um papel fundamental. O texto incentiva-nos a abraçar uma vida de riqueza sensorial, onde nossos sentidos são saudáveis e os objetos de nossa percepção sensorial são uma fonte de alegria. Por outro lado é também uma vida marcada por uma capacidade inata de discernir o que é verdadeiro e o que é falso, que é permanente e o que é passageiro.

    Liberdade , autonomia e o caminho virtuoso

    Talvez um dos aspectos mais marcantes de uma vida plena seja a liberdade de seguir os próprios desejos. Aqueles que vivem uma vida assim têm o poder de atingir os seus objetivos e a liberdade. Este senso de autonomia é essencial para a felicidade. Mas uma vida que vale a pena viver não envolve apenas ganhos pessoais. O texto lembra-nos da importância de desejarmos o bem a todos os seres, mostrando que nossa felicidade está intrinsecamente ligada à felicidade dos outros. Exige uma vida livre do desejo pela riqueza dos outros, marcada pela veracidade, pelo amor à paz e por ações ponderadas.

    Acto de equilíbrio

    Para saborear verdadeiramente a essência da vida, o texto enfatiza a necessidade de equilíbrio. Isto significa experimentar os objectivos fundamentais da vida – dharma, artha, kama e moksha – sem que um comprometa o outro. Envolve respeitar nossos superiores e servir os mais velhos com a maior reverência.

    Auto-domínio

    Uma vida plena também envolve auto domínio . Quem segue este caminho têm controle inabalável sobre sua luxúria, raiva, inveja, arrogância e orgulho. A pessoa entrega-se a actos de caridade, meditação, aquisição de conhecimento e abraça a tranquilidade da solitude.

    Uma busca por conhecimento e espiritualidade

    Na busca por uma vida significativa, o conhecimento desempenha um papel crucial. Aqueles que levam uma vida verdadeiramente benéfica são versados nas artes e nas ciências e são devotados à sabedoria espiritual. Trabalham incansavelmente, não apenas no presente, mas com um olhar atento para a próxima vida, e são abençoados com memória e inteligência.

    Concluindo, o texto em seja um texto de medicina geral, oferece-nos insights profundos sobre o que significa levar uma vida plena e verdadeiramente significativa. Lembra-nos que a verdadeira felicidade não é apenas a ausência de dor e sofrimento, mas a presença de alegria, equilíbrio e um compromisso inabalável com o bem-estar de todos os seres. É uma vida bem vivida, repleta de sabedoria, virtude e uma busca incessante por conhecimento e espiritualidade.

    Até já!

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

    Foto de Marian Strinoiu – pexels.com

  • Ricardo Barreto Terapeuta de Ayurveda

    आयुर्वेद – pāda abhyaṅga – rotina de oleação dos pés

    No Ayurveda, abhyaṅga refere-se à aplicação de óleo. Este óleo pode ser simples ou medicado. De forma geral esta aplicação de óleo pode, e por vezes deve ser personalizada com base na constituição do indivíduo, idade, estação do ano, doenças específicas e fatores ambientais.

    Seguindo os princípios descritos nos textos clássicos ayurvédicos a aplicação de óleo deve fazer parte de uma rotina diária pois desacelera o envelhecimento, ajuda na recuperação da fadiga e ajuda em problemas causados por vāta dosha. abhyaṅga refere-se à aplicação de óleo no corpo mas é dito que, na impossibilidade de a fazer na integra, a cabeça, os ouvidos e os pés são os locais que não devem ser descuidados.

    Hoje vamos falar brevemente de pāda abhyaṅga

    Alguns benefícios de pāda abhyaṅga

    • suaviza a rugosidade das solas dos pés
    • alivia a rigidez
    • corrige a secura excessiva
    • alivia a exaustão
    • trata da dormência nos pés
    • promove força e estabilidade nos pés
    • nutre os olhos, prevenindo diversas doenças oftalmológicas

    É também associada a uma melhora do sono, sistema nervoso, ansiedade, stress e outros.

    Procedimento

    • aquecer o óleo em banho maria até estar confortável ao toque
    • espalhar uma pequena quantidade de óleo nas mãos
    • com pressão moderada e lentamente:
      • massajar do tornozelo aos dedos dos pés
      • massajar cada dedo do pé individualmente, da base à cabeça
      • massajar o espaço entre os dedos
      • massajar as solas dos pés
    • massagem pode demorar entre 5 a 15 minutos por pé
    • colocar uma meia e deixar o tempo desejado *

    *Normalmente em ayurveda não é recomendado deixar o óleo no corpo mas no caso de pāda abhyaṅga, como se usa uma pequena quantidade até pode ser deixado durante o sono.

    Pode utilizar simples óleo de sésamo, oléo de amêndoas, azeite, ghee, etc ou um óleo medicado para o efeito.

    pāda abhyaṅga deve ser feito de estômago vazio portanto é normalmente recomendado como uma rotina matinal ou uma rotina de sono.

    pāda abhyaṅga e de facto quaisquer terapias de oleação devem ser evitados durante gripe, febres, indigestão, doenças de pele.

    Já experimentou?

    Até já!

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

    Foto de Towfiqu barbhuiya. pexels.com

  • Ricardo Barreto Ayurveda

    आयुर्वेद – Os 6 sabores de acordo com o āyurveda – parte 2

    A acção de cada um dos sabores é determinada pela sua composição relativa aos 5 elementos (como vimos no artigo passado). Hoje vamos ver brevemente as funções de cada um destes sabores e qual o seu impacto no corpo e mente.

    madhura – doce

    Tem as qualidades de frescura, peso e humidade/oleosidade.

    De uma forma geral o sabor doce promove a força dos tecidos corporais, promove a compleição e a longevidade. Dá prazer e satisfação emocional.

    Em excesso causa doenças de kapha e tecido adiposo, obesidade, problemas digestivos, letargia etc. Pode levar ao apego e à possessividade.

    Não está só presente no açúcar, mel e etc mas também em substâncias como o arroz , centeio, leite, batata frutas doces, etc

    amla – azedo

    Tem as qualidades de leveza, calor e humidade.

    De uma forma geral o sabor amargo em moderação aumenta o apetite, fogo digestivo. Causa a secreção de fluídos no corpo. Dá vigor à mente e aos sentidos.

    Em excesso causa problemas de visão, excesso de sede, acidez, problemas de pele, e outros problemas digestivos. Pode levar à inveja e à raiva.

    Está presente nos citrinos de forma geral mas também em iogurte, vinagres e fermentados.

    lavaṇa – salgado

    Tem as qualidades de peso, calor e humidade.

    De uma forma geral o sabor salgado em moderação aumenta o apetite e a digestão, estimula a produção de saliva, limpa os canais. Dá confiança e motivação.

    Em excesso causa inflamação, retenção de líquidos e velhice prematura (queda de cabelo, rugas, etc). Pode levar à ganância e excesso de ambição.

    Está presente nos sais e consequentemente em produtos salgados.

    tikta – amargo

    Tem as qualidades de frescura, leveza e secura.

    De uma forma geral o sabor amargo em moderação ajuda a secar excesso de muco e tecido adiposo, promove o intelecto, limpa a garganta, dá firmeza à pele. Dá insatisfação.

    Em excesso provoca a perda de força e doença de vāta. Pode levar à tristeza, pesar.

    Está presente em certas folhas verdes, especiarias como o a curcuma e o feno grego, no café, chá, etc

    kaṭu – picante

    Tem as qualidades de calor, secura e leveza.

    De uma forma geral o sabor picante em moderação promove secreções, ajuda na circulação, apetite e digestão e limpa os canais. Dá extroversão e coragem.

    Em excesso provoca perda de libido e força e inflamação, tonturas, e problemas de pele. Pode levar á violência, raiva.

    Está presente em especiarias e alimentos picantes como a malagueta, pimentas, gengibre, alho etc

    kaṣāya – adstringente

    Tem as qualidades de peso, secura e frescura.

    De uma forma geral o sabor adstringente em moderação purifica o sangue, reduz excesso de muco, ajuda a formar fezes, ajuda na cicatrização. Dá introversão.

    Em excesso provoca secura, obstipação com inchaço abdominal, reduz libido e pode levar à perda de tecido corporal. Pode levar a insegurança e medo

    Está presente em leguminosas, banana verde, raiz de lótus, quiabos etc.

    Excepções

    Existem algumas excepções, ficam aqui alguns exemplos

    • arroz com mais de 6 meses, cevada, feijão mungo, mel embora sendo doces tendem a não agravar kapha
    • romã e outros frutos silvestres embora azedos não tendem a agravar pitta
    • sal dos himalayas tende a ser menos prejudicial à visão
    • gengibre seco e alho sendo picantes não tendem a agravar vāta

    Esta foi só uma pequena introdução de como o āyurveda analisa os sabores e a importância da sua utilização para manter o equilíbrio do corpo. Por outro lado, mostra também como a alimentação pode ser utilizada para manipular os doshas.

    Até já!

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

    imagem de Vanessa Loring – pexels.com

  • Os 6 sabores de acordo com o āyurveda

    आयुर्वेद – Os 6 sabores de acordo com o āyurveda – parte 1

    Um dos factores para uma alimentação equilibrada de acordo com o āyurveda é o uso dos 6 sabores. Sabor, conhecido em sânscrito como rasa, é a sensação interpretada pela língua quando uma substância entra em contacto com ela.

    Os 6 sabores são um conceito único de āyurveda que define que, aparte da diferenciação a nível de experiência sensorial, cada um destes sabores tem uma função específica.

    Os 6 sabores são:

    • svādu ou madhu  – doce
    • amla – azedo
    • lavaṇa – salgado
    • tikta – amargo
    • uṣṇa ou kaṭu – picante
    • kaṣāya – adstringente

    Cada um destes sabores deve a sua composição a uma combinação de 2 dos 5 grandes elementos.

    • doce – terra e água
    • azedo – terra e fogo
    • salgado – água e fogo
    • amargo – ar e fogo
    • picante – ar e espaço
    • adstringente – ar e terra

    Cada um destes sabores têm um impacto directo nos doṣas. Levando em consideração a ordem apresentada anteriormente, podemos dizer que:

    • os 3 primeiros sabores (doce, azedo e salgado) tendem a agravar kapha e a pacificar vāta
    • os 3 últimos sabores (amargo, picante e adstringente) tendem a agravar vāta e a pacificar kapha
    • adstringente, amargo e doce tendem pacificar pitta e os restantes 3 (azedo, salgado e picante) agravam pitta.

    Estes sabores nutrem também o corpo em ordem sucessiva. Assim sendo o sabor doce é o que mais nutre o corpo e o adstringente o que nutre menos.

    Apenas com estas informações conseguimos ver a relevância dos sabores não só no contexto de tratamento como também na prevenção de saúde. Em artigos anteriores já falámos das alterações sazonais e o seu impacto nos doṣas e é com base neste conceito de rasa que surgem sugestões para modificações na dieta. Por exemplo, durante a primavera existe um agravamento natural de kapha e por isso a nível de alimentação o uso predominante de sabores doce, azedo e salgado são contra-indicados. Por outro lado, uma pessoa com doenças que tenham origem em pitta deverão ter a recomendação de evitar a predominância dos sabores azedo, salgado e picante.

    āyurveda recomenda o uso diário destes 6 sabores mas isto não quer dizer que devemos consumir os sabores nas mesmas proporções pois cada sabor tem a sua função portanto a sua predominância de cada sabor deve ser adaptado de acordo às necessidade do corpo e  às alterações sazonais.

    Na segunda parte do artigo vamos falar acerca das funções de cada um destes sabores e entender um pouco melhor em que substâncias se encontram pois quando dizemos sabor doce não estamos necessariamente ou directamente a falar de açúcar. 

    Até já!

    Ricardo Barreto

    Terapeuta de Ayurveda

    imagem de  Vanessa Loring – pexels.com