Relações e Ralações

Todos os seres humanos se casam com a esperança de encontrarem a felicidade, porque essa é a experiência da paixão. A paixão mútua, a paixão correspondida, que que ambos sentem um pelo outro, produz um senso união, de pertença, um senso de união, um senso de que acolhimento, de que se é amado. Este senso é tão, tão grande, que é mais importante que a própria mãe. Por isso somente, a pessoa sai das “saias da mãe” e vai casar, e vai fazer uma vida a dois com outra pessoa, na esperança que vá produzir a felicidade última de todas as coisas, a completude da união apaixonada.

Porém, acontece que a pessoa começa a relacionar-se intimamente e a relação íntima naturalmente causa uma fricção, causa um atrito natural, como quando duas coisas se encostam e roçam uma a outra. Este atrito vai ser tão maior quanto maiores quanto maiores for as questões emocionais que já vem de trás, quanto mais e mais intensos forem os traumas.

Contudo, a pessoa parte para um relacionamento amoroso, que pode ser um casamento ou um namoro, totalmente esperançosa de encontrar a felicidade, a eterna paixão, o senso de união, de acolhimento, de pertença e de ser incondicionalmente amada, o que não acontece. No início até acontece, mas depois naturalmente esvai-se. A pessoa espera em vão que a paixão se mantenha inalterada até ao fim da vida, tal e qual como nos filmes de Hollywood e em todos esses contos, porém, não acontece assim, porque uma relação não é um mar de rosas. Uma relação raramente ou nunca acontece vemos nesses filmes e contos. É que nem mesmo os atores de Hollywood que fazem esses papéis conseguem viver o sonho de Hollywood. Eles acabam por se separar, muitas vezes de forma triste e litigiosa.

A fricção que vem ao de cima durante os relacionamentos por causa dos traumas emocionais já trazem e obviamente por causa das diferenças de personalidade, que têm que se ajustar para o relacionamento funcionar, fluir e ser saudável, é natural, é normal. Não existe relacionar-se sem fricção. O truque é minimizar as fricções pois assim minimizamos as ralações. Não transforme a sua relação numa ralação.

As pessoas têm que fazer cedências, têm que aprender a fazer cedências de parte a parte, de modo a que os dois sintam que estão a ganhar. A pessoa eventualmente descobrirá que uma das coisas mais importantes da vida é o casamento e que este é um projeto comum a longo prazo, talvez o projeto mais a longo prazo que existe entre dois seres humanos, onde há filhos para educar, de forma a que estes possam dar o seu melhor ao mundo e se tornarem bons seres humanos e contribuírem para um mundo melhor.

Então, não é só a mensagem genética que é passada geracionalmente, há também uma passagem de valores éticos, morais, culturais e familiares dos pais para os filhos, como é óbvio. Apesar do ideal ser este, ambos descobrem que o projeto casamento, a maior parte das vezes, não tem nada a ver com a união que sentiram durante a fase da paixão. O casamento pode começar por paixão, mas em si nada tem a ver com paixão.

Apreciamos facilmente que em muitos casos, se não na maior parte deles, a relação a dois traz mais dor do que prazer. Se realmente a pessoa que está num relacionamento quer crescer, haverão inevitavelmente desafios desagradáveis e dolorosos, e não serão poucos. Pensar de outra forma é inocência.

Apesar das muitas dificuldades inerentes à vida de casado, tem que haver momentos alegres e de prazer, pois senão é praticamente impossível manter a relação. Se o balanço entre os momentos bons e maus for muito negativo, obviamente a relação não tem pernas para andar. Na medida em que ambos, não interessa se são dois homens, ou duas mulheres, ou um homem e uma mulher, estão dispostos a crescer na relação e a encarar as suas dificuldades emocionais, que vêm de trás, como vimos, com a disposição e a intenção de se tolerarem e de aceitarem as dificuldades de cada um, nessa medida têm algo muito importante, que é um projeto de crescimento emocional comum, que não tem nada a ver com a inocente ideia ideal do relacionamento, que era: vamos ser eternamente felizes porque a paixão vai durar para sempre.

Para a maior parte das pessoas que têm filhos a paixão dura até ao primeiro filho ou então abranda muito. Depois dos filhos tudo muda e muito. A mulher muda muito do ponto de vista hormonal e o homem também. Depois, a energia e a atenção deixam de estar centradas em cada um e são dirigidas para o filho. Porque dou o exemplo do casamento? Porque é uma das decisões e fases mais importantes da nossa vida e é, no fundo, uma decisão em que investimos muito emocionalmente, temporalmente, financeiramente, etc. O ser humano investe muito nas relações íntimas, seja o casamento, a união de facto ou um namoro, pois há a partilha de casa, há contas conjuntas, há a intimidade das famílias do companheiro ou companheira, etc.

A intimidade é um investimento a longo prazo. A companheira diz-nos coisas que mais ninguém iria dizer porque se dissessem provavelmente nunca mais falaríamos com essa pessoa. Como é a companheira, ou companheiro, a dizer e muitas vezes tem razão no que diz, o outro ouve e isso precipita a mudança para melhor. Ela conhece a nossa intimidade, ela sabe os nossos calcanhares de Aquiles, e vice-versa, obviamente.

Portanto, a decisão de viver com alguém é uma decisão muito importante e necessárias para a maior parte dos seres humanos. Que todos possam crescer emocionalmente e espiritualmente através da união amorosa.

Paulo Abreu Vieira

Outubro, 2022

(Texto retirado de um dos cursos do Prof. Paulo)

One Comment

  • Celina Hayashi

    Nosso companheiro é nosso espelho.
    Assim não adianta mudar de parceiros indefinidamente porque será sempre o reflexo do que nós somos, de nossas escolhas.
    E se não gostamos do que estamos vendo, melhor “evoluir”. 😂😂😂

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