Āyurveda – Alimentação Saudável e Āyurveda Parte 1
Como já devem saber, a digestão é super importante para o Ayurveda. O exemplo tradicional é a comparação entre a nossa digestão e uma fogueira, onde o alimento é a lenha. Manter uma fogueira acesa tem os seus desafios: se a lenha for grande ou densa demais para a intensidade do fogo, este pode acabar por extinguir-se. Se a lenha for posta cedo demais não consegue manter o fogo. Se a lenha estiver húmida faz fumo mas não queima, etc.
Esta “fogueira”, ou melhor, a qualidade desta “fogueira” é importante pois é ela que permite ao nosso corpo, digerir, transformar e assimilar a comida que ingerimos num corpo humano saudável e funcional. Isto fica claro no texto clássico Caraka Samhita:
“Aqueles alimentos que mantêm o estado de equilíbrio nos elementos do corpo e ajudam a eliminar distúrbios no caminho para o equilíbrio podem ser considerados alimentos saudáveis, enquanto aqueles que agem de maneira oposta são considerados prejudiciais. Esta seria a descrição mais precisa de alimentos saudáveis e não saudáveis.”
Será que temos aqui uma possível descrição de uma alimentação saudável?
A alimentação é sempre um tópico complexo de apresentar. Envolve cultura, família, gostos pessoais, ideologias, saúde, finanças, etc. e por isso é difícil encontrar um ponto de vista unilateral. Ayurveda adiciona ainda mais alguns conceitos quando explica acerca dos seis sabores, das qualidades, das potências e dos efeitos pós digestivos das substâncias e alimentos. Conclusão… falar de alimentação no Ayurveda não é simples.
No entanto existem alguns pontos de partida que podemos explorar e nesta primeira parte gostaria de trazer aqui algumas ideias descritas como os oito factores que devem ser tidos em consideração em relação à alimentação.
prakṛti, a natureza do alimento
prakṛti é o atrubuto natural de uma substância. Uma substância pode ser considerada pesada ou leve levando em consideração o seu impacto na digestão. Por exemplo, arroz, feijão mungo e carnes de aves como a cordorniz e perdiz são consideradas leves. Preparações à base de leite, feijão preto e carne de porco são consideradas pesadas.
kāraṇa, o processamento
Processar os alimentos pode influenciar a prakṛti referida anteriormente em ambas as direções. Conseguimos tornar um alimento leve num alimento pesado para digerir, por exemplo, quando o fritamos, pois os óleos, de forma geral, são pesados para digerir. Por outro lado, cozer uma batata ou um brócolo torna-o mais fácil de digerir.
saṃyoga, a combinação
A combinação de alimentos pode melhorar ou prejudicar a sua qualidade, sabe-se hoje do efeito sinergético de princípios activos da pimenta preta que potenciam os efeitos de princípios activos da curcuma. Por outro lado, Ayurveda refere também que substâncias de origem animal como carne e peixe não devem ser combinados com produtos laticínios pois têm o potencial de criar toxinas que podem causar problemas no corpo.
rāśi, a quantidade
Alimentos mais pesados devem ser consumidos em moderação enquanto alimentos mais leves poderão eventualmente ser consumidos em mais quantidade sempre de acordo com a capacidade digestiva. A quantidade também deverá ser ajustada de acordo com a realidade da pessoa que consome, uma criança, um adulto e um idoso precisam de quantidades diferentes de alimento; um atleta profissional e um condutor também, etc.
deśa, o local
De certa forma, sempre houveram trocas entre povos e populações humanas, mas acho que estaremos de acordo se disser que nunca tivemos este nível de globalização alimentar onde podemos, em grande parte, encontrar qualquer tipo de alimento a qualquer altura do ano mesmo que tenha sido cultivado no outro lado do planeta. E embora nos pareça normal, a verdade é que Ayurveda dá importância a este factor pois a dieta deve estar de acordo com as características do local e o impacto do local nos doṣas. Outro ponto de vista é que comer comida local tira grande parte das interrogações pois se o alimento cresce na área então, teoricamente o seu consumo seria adequado.
kāla, o tempo
Em muitos aspectos o tempo e o local andam juntos e podemos falar acerca das estações e de alimentos sazonais. A natureza tem a habilidade de providenciar diferentes alimentos durante o ano que vão de acordo com as necessidades do corpo, alimentos mais pesadinhos como diferentes abóboras no outono e inverno onde a capacidade digestiva é maior, verduras mais amargas na primavera que ajudam o corpo a desintoxicar e frutos silvestres no verão. Claro que com a tecnologia há mais e mais disponibilidade durante o ano mas a tendência continua a mesma.
Por outro lado podemos referir tempo como a idade do consumidor ou por exemplo, o estágio de uma doença.
upayoga samastha, as regras
As regras de consumo vamos ver na parte 2
upayoktra, o consumidor
Esta é a variável mais complexa pois tudo que foi referido anteriormente vai ter de ser levado em consideração e ajustado à realidade da pessoa que consome a comida.
Estas foram as características dos oito fatores que devem ser levados em consideração em relação à dieta. À primeira vista até pode parecer um exagero ter de levar em consideração todos estes elementos cada vez que me sento para almoçar ou jantar mas de uma forma prática podemos simplificar.
Se eu estiver com boa capacidade digestiva (bom apetite, arroto limpo, sem inchaços, etc) devo escolher comidas que não sejam demasiado pesadas (por exemplo, evitar muita carne) que tenham sido processadas adequadamente (por exemplo evitar fritos), em quantidade apropriada (não comer até não poder mais), devo então escolher alimentos locais e sazonais e desfrutar a minha refeição.
Continua….
Ricardo Barreto
Terapeuta de ayurveda
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