आयुर्वेद – O Erro Interior: prajñāparādha
Na sabedoria milenar do Ayurveda, o sofrimento não começa no corpo, nem nos acontecimentos externos. Começa com um desalinhamento interno. Charaka Samhita afirma:
“A deficiência intelectual, a contenção e a memória; a influência do tempo e das ações; e o contacto nocivo com os objetos dos sentidos — eis as raízes de todo o sofrimento.”
Este ensinamento fundamental recorda-nos que a cura não se trata apenas de corrigir desequilíbrios físicos. Trata-se de restaurar a clareza do manas (mente) e do buddhi (intelecto). Quando o instrumento interno está turvo, até as condições favoráveis podem levar ao sofrimento.
Este é o conceito de prajñāparādha — o “crime contra a sabedoria” — uma das principais causas da doença e da miséria, segundo o Ayurveda.
O que é o prajñāparādha?
prajñāparādha significa literalmente “ofensa do intelecto”. Acontece quando agimos conscientemente contra aquilo que entendemos ser certo. Não é simples ignorância. É uma desconexão consciente da orientação interna.
Charaka explica:
“Quando uma pessoa com o intelecto (dhi), a contenção (dhriti) e a memória (smriti) prejudicados realiza ações prejudiciais, trata-se de prajñāparādha. Agrava todos os doshas.”
Os Três Pilares da Sabedoria Interior
prajñāparādha ocorre quando três faculdades são perturbadas:
- Dhi (discernimento) – quando não conseguimos ver claramente
- Dhriti (contenção) – quando não nos conseguimos conter
- Smṛti (recordação) – quando nos esquecemos do que sabemos ser verdade
Cada um deles, quando obscurecido, leva-nos a escolhas que criam sofrimento. Sabemos, mas não seguimos. Vemos, mas não agimos. Lembramo-nos, mas ainda assim ignoramos.
Como se manifesta o prajñāparādha
Charaka enumera vários sinais de desconexão:
- Ignorar ou forçar os impulsos corporais naturais
- Excesso de prazer ou atividade
- Tomar medidas no momento ou no local errado
- Desconsiderando os professores, os anciãos ou os valores do dharma
- Permanecer em ambientes ou companhias prejudiciais
- Agir por ciúme, medo, raiva, ganância, ilusão
Muitas delas podem parecer comuns hoje em dia, mas o Ayurveda vê-as como sementes de doenças porque refletem uma ruptura interna com a verdade.
Ritmo, Campos e o Erro Interior
No Way of Āyurveda, trabalho com uma estrutura baseada em ritmos, que ajuda as pessoas a ver como a desconexão se desenvolve na vida diária. Inclui:
- Três Ritmos: Return (Retorno), Stability (Estabilidade) e Insight (percepção)
- Três Campos: Body (Corpo), Mind (Mente) e Relations (Relações)
prajñāparādha é, em muitos aspetos, uma perturbação no ritmo. Por exemplo:
- Quando esquecemos Retorno, não ouvimos a fadiga, o silêncio ou os sinais que dizem “pára”.
- Sem Estabilidade, caímos no caos ou na compulsão, mesmo quando sabemos que não é bom para nós.
- Sem Percepção, perdemos o que o momento está a revelar. Continuamos nos mesmos ciclos.
Estes ritmos movem-se por todos os três campos, Corpo, Mente e Relações. Um momento de ignorar qualquer campo resultará muitas vezes na perturbação dos outros. O que começa subtil torna-se sistémico.
prajñāparādha não é uma falha moral. É simplesmente um ritmo que nos faz falta. O trabalho não é envergonharmo-nos, mas sim ouvir mais cedo da próxima vez.
Cura de prajñāparādha
O Ayurveda ensina que, para curar, precisamos de realinhar o intelecto, a contenção e a memória. Não através da pressão, mas através da purificação do espaço interior.
- Cultivar “Sattva” – através do descanso, do silêncio, da simplicidade, do estudo e da companhia correta
- Regressar a Sadvritta – uma vida ética que apoia a clareza mental
- Reflexão diária – perguntas gentis e honestas: Agi por conhecimento ou compulsão?
Conclusão: Ritmo e Memória
Quando nos afastamos da verdade interior, surge o sofrimento. Não como castigo, mas como um sinal. O antigo termo prajñāparādha nomeia-o claramente.
Mas o Ayurveda nunca nos deixa com um sentimento de culpa. Ela aponta sempre para o ritmo. Em direção ao regresso. Em direção à recordação.
Cada pequeno ato de clareza, contenção ou presença é um caminho de regresso.
Cada retorno é uma cura.
Cada percepção é graça.
É assim que caminhamos novamente em direção ao ritmo e ao equilíbrio.
Ricardo Barreto
Terapeuta de Ayurveda
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